UM LIVRO POR SEMANA / 510 /«A vida no campo» de Joel Neto

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notícias das CaldasJoel Neto (1974) abre este seu belo livro de 228 páginas com duas citações de Jorge Luís Borges e de Fernando Pessoa e, numa espécie de prefácio, explica que a literatura se inventou para falar dos que «não entram na História» ao contrário dos «aventureiros, dos inventores e dos facínoras».

Estas citações antecedem as de Vitorino Nemésio e Raul Brandão sobre as Ilhas («o melhor da ilha é a ilha em frente»), de Vergílio Ferreira sobre o tempo («O passado nunca existiu. Por isso é que nos fascina.»), de António Ramos Rosa sobre as árvores («Não sei se é o ar se é o sangue que habita nos seus ramos») e Marcolino Candeias sobre a capital da Terceira: «Angra, oh minha cidadezinha de bolso». Natureza e Cultura – são estas as duas inscrições maiores das crónicas que, todas juntas, formam a memória justificativa de um tempo. Joel Neto situa-se entre a Paisagem o e Povoamento, os seus textos evocam e invocam expressões própria do lugar («Tu és um disparate!»)ou palavras como «piscas e pechinchinhos, tarelos e tafulhos. Gamas e donetes, sueras e alvarozes. Cambetas, banaços, batacus. Custódios, alaricados, laparosos. Belicas e biscoitas, valhacas e maraus. Pitafes e tricofaites. Naiões, basões e tatões.»
A diferença entre Campo e Cidade está também nas ambulâncias: «A última vez que andei de ambulância foi em Lisboa. Também já andei de ambulância aqui na ilha. Em 1994, numa noite de Março – estava cá de férias da Páscoa. Foi a noite em que o meu avô morreu e o bombeiro que lhe apurava os sinais vitais era o Victor Hugo. Tínhamos jogado juntos no Lusitânia. No campo quando uma sirene ecoa, os ocupantes têm sempre nome. Os próprios bombeiros têm nome». Entre a Vida e a Literatura, entre o sangue pisado e o estilo, há aqui retratos gerais como de Angra («Eu nunca viveria em Angra.»), dos jornais («Os jornais eram o outro lado do mundo. Um espelho em que nos víamos. Escrevo para eles há mais de vinte e cinco anos.»), os toques do sino da igreja («Se tocar três vezes, é homem. Se tocar só duas, é mulher»), o amigo S. («um homem que não sabe nada sobre o seu pai nunca saberá nada sobre si próprio»), o desabafo do pai de Joel Neto («O maior erro da minha vida foi ter ficado aqui») que se cruza com a frase de um amigo sobre os Açores: «Um lugar onde nunca se chega e de onde nunca se parte». Mas há também retratos pessoais como os da mãe (« A minha mãe deu-me o amor à terra.»), do próprio autor («Não sejas cínico: sê múltiplo. Aprende a povoar-te. Evita os absolutos. Ama o que puderes.»). Joel Neto recorda os seus poetas (Fernando Pessoa, Ramos Rosa, Emanuel Félix, Marcolino Candeias) e os prosadores (Nemésio, João de Melo, Álamo Oliveira; Hardy, Faulkner, Steinbeck) para chegar ao «Diário Insular» e a José Daniel Macide, o seu primeiro bardo com a «Balada para Angra»: «É pecado dizê-lo, amor mas se eu fosse Deus serias a minha namorada». Por fim a música seja ela memória («O Menino mija?») e as marchas de John Philip de Sousa («Os velhos estacionavam na cabeceira onde deixavam senhoras fazendo renda») ou o sonho adiado de ir na Filarmónica: «O que eu queria era ter desfilado à frente da filarmónica.»
(Editora: Marcador, Capa: Marina Costa, Foto contracapa: António Araújo, Foto capa: Joel Neto, Revisão: Joaquim Oliveira, Paginação: Maria João Gomes)

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