
Depois de termos dedicado algum tempo à correspondência remetida pelo Dr. Joaquim Manuel Correia para França, procurámos para o artigo de hoje, conhecer o conteúdo da correspondência trocada entre Fernando da Silva Correia e a mãe, Carlota Filomena da Silva Correia (Peniche, 1873-Caldas da Rainha, 1 de Junho de 1954).
Há cem anos, até à data de hoje, foram localizadas quatro cartas que, distintas do artigo de 6 de Julho, foram remetidas por Fernando da Silva Correia para a sua “mamã”. Estas quatro cartas, datadas de Janeiro de 1918, contam-nos de forma bastante pormenorizada a chegada à França e a instalação nos locais para onde era enviado. O jovem médico conhecia bem a preocupação que a sua mãe acalentava por ter tão longe (e no meio de uma guerra mortífera) o seu filho e, por isso, tenta a todo o momento sossegá-la.
Ainda em viagem, Fernando da Silva Correia descreveu, entre os dias 13 e 15 de Janeiro – data em que, já em terra, enviou a carta -, todos os pormenores da sua experiência: «Desculpe a partida que lhes fiz de não dizer que vinha por mar (…). Embarquei no dia 10 à uma hora da tarde. Sahi às 9 da manhã de 11 num explendido vapor com companheiros óptimos (…). Passamos o dia 11 no mar, à noite vimos o ultimo farol portuguez e (…) no dia 12 de manhã chegámos ao primeiro porto, onde estivemos 6 horas, sem desembarcar, partindo d’ahi às 5 da tarde. O mar, que no primeiro dia tinha estado um pouco entusiasmado, sossegou (…). Por felicidade não enjoei. (…) Houve desgraçados que passaram mau bocado com o enjôo no primeiro dia. (…) A comida de bordo bôa e abundante mas o apetite não era menos abundante. A viagem muito agradável. Estou convencido que por terra é incomparavelmente peor. (…) Tenho a impressão de andar a fazer uma viagem de recreio.»
Já em França, o jovem médico, numa carta de 16 de Janeiro, menciona a instalação “num explendido hotel” de terra incógnita, pois essa informação foi recortada pela censura.
No dia 23, relatou a sua «excelente» situação: «Vou hoje instalar-me num comboio onde tenho dois quartos, um para dormir outro que me serve de gabinete de trabalho. (…) Foi coisa que ainda não sentimos foi frio. (…) Fui a tomar o meu café com leite ha bocado e agora escrevo-lhe antes de fazer a barba. O almoço é às 11, o jantar às 6. O meu serviço, por agora, consiste em fazer uma visita médica ao meu grupo que esta instalado no comboio. (…) O meu impedido, que enquanto escrevo está a fazer a minha cama, o que diga-se de passagem faz muito bem chama-se Joaquim Vinha, é de Sinfães, soldado de cavalaria (…). Vamos instalar cá no acampamento um piano! Sala de jogo [?]. Já há “foot-ball”. Eu e o [Bernardo] Vieira Ribeiro vamos ver se conhecemos o “cura” da vizinha aldeia (…). Já vê a vida que passamos.» O acampamento que mencionou era o de Bailleul-sur-Thérain.
E no dia 27, dá conta do que viu durante uma viagem a Paris. Mais tarde, em 1961, haveria de explicar: «O facto do Campo de Instrução dos Oficiais da missão ser relativamente perto de Paris e de durante ela eles irem passar frequentes licenças àquela cidade fez crêr a muitos camaradas que o C.A.P.I. passara a vida em Paris, provocando a inveja de muitos e a maledicência de alguns.”
Joana Beato Ribeiro
Património Histórico – Grupo de Estudos