Alberto Costa
advogado
Há algumas semanas atrás, relatava aqui uma aventura familiar, ocorrida entre Caldas da Rainha e Alcobaça, ludicamente confiada a ferramentas emanadas da galáxia Google – e que terminou no sítio errado. Era uma pequena ilustração, com um pouco de metáfora à mistura, dos riscos que se correm quando nos entregamos a «guias tecnológicos» que, supostamente, nos conduzem na boa direcção… mas que, sem sanção possível, nos podem levar para onde, afinal, não queríamos ir.
E era também, de passagem, uma queixa legítima, logo reduzida à sua numérica irrelevância pelo gigante que, além do mais, ocupa o primeiro lugar no mercado mundial da publicidade digital – afinal um mercado que significará em 2023 qualquer coisa como 626.860 milhões de dólares (estimativa da EMarketer). Só nos EUA, espera-se que a Alphabet, «casa mãe» da Google, obtenha, neste ramo específico, receitas na ordem dos 73.000 milhões de dólares. À luz duma máxima tão velha como a antiga Roma («de minimis non curat pretor»), como poderia um gigante apontado a estas montanhas de valor ocupar-se de coisas tão mínimas e insignificantes como … zelar pela qualidade de um serviço prestado/utilizado num oeste, ainda por cima, tão longe e tão diferente do «seu»?
Em jeito de «parte II», como nos filmes, quero hoje limitar-me a partilhar notícias – cujo principal requisito, como é sabido, é deverem ser frescas: não me debruçarei, portanto, sobre os já anunciados, e aqui na Gazeta criticados, 12000 despedimentos e irei directo às últimas.
Há poucos dias, Merrick Garland – o juiz «moderado» que o Partido Republicano, ao longo de 293 dias, conseguiu impedir que Obama nomeasse para o Supremo, agora em diferente função – fez entrar num tribunal federal uma acção contra a Google em que pede a sua condenação por «abuso de posição dominante». Oito estados americanos, incluindo Nova Iorque e a Califórnia, onde se situa a sede do grupo, acompanham, nesta contenda, o Departamento de Justiça federal.
Num documento de 153 páginas, são imputados à Google – não por uma qualquer uma «entidade reguladora», mas por alguém que, hoje, com Biden, exerce funções equivalentes às dum ministro da Justiça – 15 anos de práticas ilegais, adulteradoras da concorrência no mercado da publicidade «online». Com abundante argumentação, demonstra-se que disso resultou um efeito negativo no domínio da inovação tecnológica, além de menos qualidade e custos mais elevados para os actores naquele mercado e para o público em geral.
Citando: «Um gigante da indústria, Google, corrompeu a concorrência legítima ao empreender uma campanha sistemática para ficar com o controle da ampla gama de ferramentas de alta tecnologia utilizadas por editores, anunciantes e agentes para facilitar a publicidade digital. Tendo-se inserido em todos os aspectos do mercado da publicidade digital, Google utilizou meios anti-concorrenciais, excludentes e ilegais, para eliminar ou diminuir gravemente qualquer ameaça ao seu domínio sobre as tecnologias da publicidade digital». Segundo a petição apresentada, já em 2015 a Google exercia um efeito de domínio sobre 90% do mercado em causa. Por cada «dólar publicitário» que tem ido de anunciantes para editores, a Google tem ficado com, pelo menos, 30 cêntimos – diz-se na peça. Nos seus termos: «os monopólios ameaçam mercados livres e justos» e «dificultam a inovação, prejudicam produtores e trabalhadores e aumentam os custos para os consumidores».
Segundo peritos, é o coração do modelo económico da Google que é questionado do ponto de vista da lei. Mas a condenação que é pedida, a verificar-se, teria um significado que poderia exorbitar da pura esfera do mercado – para além da sua incontornável projecção global.
Seria pelo menos imprudente, se não inocente, tentar prever em que sentido irá a decisão judicial (e o que virá, ou não, depois, em termos de companhia). Além de tudo o mais, não era um reputado professor de direito americano que defendia há alguns anos, com múltiplos argumentos, que, em média, em cada seis decisões judiciais, no mínimo, uma era «errada»?
Mesmo com toda a incerteza associada, notícias destas não chegam todas as manhãs – e neste filme estavam a fazer falta. ■