Ainda estou a ouvir Elvira que foi amiga de minha mãe (Olímpia do Carmo Almeida) a jurar pela «rosa divina» que o mesmo é dizer pelo sol. Vinha ela da Nazaré com a Tia Rosa e com a Tia «Barrila» vender o peixe em canastras que guardava na adega da casa da minha avó materna em Santa Catarina depois de beberem uma pinguinha de café. Só muitos anos depois li o livro de Orlando Neves (1935-2005) sobre a origem dos nomes e percebi: embora de etimologia discutida, talvez de origem visigótica, Elvira significa «amiga da alegria». Na Idade Média o nome tinha grafias várias: Guilvira, Jelvina, Gelmina e Gelvira. Também só muitos anos depois li «Os pescadores» de Raul Brandão (1867-1930) com um texto de 1923, seis anos antes de Elvira nascer.
Escreve o Mestre: «Tive sempre a ideia de que quem manda em todo o país é a mulher. Valem mais do que o homem, sacrificam-se mais do que o homem – mas aqui o seu trabalho é tão palpitante que toda a gente afirma que a mulher da Nazaré é a alma desta terra». O Mundo é pequeno e o acaso é grande: a Ana Maria que vem todos os dias da Nazaré para Santa Catarina, é sobrinha da Elvira e prima do Fábio e do Mauro, dois excelentes músicos nazarenos que são amigos do meu primo Luís Almeida, também músico. Meu pai (José Francisco) está muito bem entregue e nós os filhos podemos dormir mais descansados. A sombra de Elvira («amiga da alegria») continua a proteger quem enfrenta os dias com um teimoso sorriso nos lábios. Somos alheios aos desabafos antigos que chegaram ao nosso tempo («O estipor de vida que eu levo!») mas atentos ao bem disposto exclamativo perante uma coisa insólita, inesperada e inverosímil: «Só se está pardinal!» Na Nazaré tudo é diferente: pardinal quer dizer «com os copos» e a rosa divina é o «sol». E estipor é «estupor», claro.