Falar da criação artística em Caldas da Rainha e, nomeadamente, de Ferreira da Silva Já fazia parte das minhas intenções. E afinal, nos últimos dias, outros assuntos convergentes meteram-se de permeio: a publicação recente de um livro relembrando os audaciosos Encontros de Arte aqui ocorridos em 1977; a iniciativa do Conselho da Cidade intitulada “Abraçarte”; a exposição coletiva de Fotografia no Museu da Cidade e do Hospital; e finalmente a notícia de há poucos dias da nomeação de Caldas da Rainha como Cidade Criativa da Unesco.
Para uma pequena cidade de província, implantada num meio rural e conservador, não se pode deixar de relevar a riqueza da criação artística aqui produzida ao longo dos tempos, com especial destaque para a cerâmica, mas também na pintura, na escultura, no teatro e noutras artes mais recentes, como a fotografia.
A criação artística caldense fica bem resumida na figura do Zé Povinho, a um tempo submisso, humilde e abúlico, mas também insubmisso e revoltado, como convém à liberdade de pensamento que conduz à criatividade.
Ferreira da Silva foi uma figura ímpar da cultura caldense: irreverente, livre-pensador, arrojado. O seu perfil teve notório reflexo nas suas obras. Um dia prometeu fazer-me um retrato. Quando nos cruzávamos, habitualmente junto ao Hospital quando ainda trabalhava na tentativa de conclusão da obra escultórica Jardim das Águas, dizia sempre: ainda não me esqueci do seu retrato. E eu respondia: tem tempo! Mas, de facto, não houve tempo… No entanto, os artistas morrem, mas a obra não. Por isso, fico na expectativa de que finalmente se juntem vontades que permitam concluir essa singular obra azulejar intitulada Jardim das Águas, o que valorizará sobremaneira o espaço circundante do Hospital.
Entretanto, o Conselho da Cidade – Associação para a Cidadania promove mais uma interessante iniciativa aberta à comunidade, a que chamou Abraçarte. Numa época mais propícia aos afetos como a do Natal, é um bom desígnio abraçar a arte cerâmica, contribuindo simultaneamente para a inclusão de algumas franjas da sociedade. Elementos dessa associação estarão presentes na Rua das Montras todos os sábados do mês de novembro, pedindo a colaboração dos próprios transeuntes na pintura de azulejos que irão depois decorar uma árvore de Natal a expor em espaço público. E, paralelamente, foram chamados a participar nessas atividades de pintura, idosos residentes em Lares, alguns grupos de estrangeiros interessados e também reclusos do estabelecimento Prisional.
No fundo, esta promoção da inclusão vem de encontro a algumas das razões que levaram a Unesco (organismo da ONU cujo objetivo é colocar a cultura no centro do desenvolvimento urbano) a criar esta Agenda das Cidades Criativas.
Caldas da Rainha, como Cidade Criativa do Artesanato e das Artes Populares, e Leiria, como Cidade Criativa da Música, juntam-se agora a Óbidos, nomeada em 2015 como Cidade Criativa da Literatura. Belo ramalhete!
António Curado
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