A fusão (digital) dos municípios

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Miguel Silvestre
gestor

Nem perante o cenário de bancarrota nacional, apesar de constar no memorando da troika, a fusão ou agregação de municípios foi devidamente debatida. Entre 1950 e 1992, segundo Gabriel de Almeida Fernandes, em “A Reorganização do Poder Local e o Impacto da Fusão de Municípios – O caso de Ílhavo e Aveiro” (2016, p. 27), Portugal foi um dos poucos exemplos de países da União Europeia que não diminuiu o número de municípios. Teve, até, um ligeiro aumento de 0,66%, enquanto Alemanha, Reino Unido, Suécia, Bélgica e Dinamarca tiveram reduções acima dos 60%.
Imagine que pode tratar dos serviços municipais como já pode tratar nas Finanças ou Segurança Social de qualquer concelho. Que pode exercer a escolha de viver num local, trabalhar noutro e tratar dos seus assuntos no concelho vizinho. Parece impossível, mas não é, caso exista uma estratégia digital para o território e não o espartilho municipal atual. E já foi feito…
Em Molenlanden, nos Países Baixos, vários municípios uniram-se e criaram um novo. Tomaram a decisão (extraordinária) de não ter uns Paços do Concelho, resolvendo assim o problema da localização da sede e, ao mesmo tempo, fizeram uma reorganização profunda dos serviços. Em Molenlanden falar de e-government não é novidade, a abordagem é de we-government. Noutras longitudes, a Code for Canada criou um manual de interação municípios/comunidade para a construção destas estratégias.
No debate político nacional temos fragilidades gritantes, algumas abordadas no artigo anterior. A falta de verificação de factos e pressupostos nos quais assentam as decisões políticas é uma das mais graves. Leva-nos a tomar decisões certas, mas assentes em factos frequentemente errados. É paradoxal e cruza-se com outra característica nacional: a procura da solução perfeita… A mitigação de todas as consequências nefastas das decisões afasta a objetividade e faz do indeciosinismo a corrente política vigente.
António Rodrigues Sampaio, liberal, setembrista e regenerador escreveu o seguinte no relatório do Código Administrativo de 1878, do qual foi um convicto impulsionador: “Bem sei que a extinção de concelhos há-de dar pretexto para a excitação das paixões partidárias e para queixumes de alguns interesses prejudicados. Bem sei que municípios mortos até agora para a administração hão-de ressuscitar para a resistência. Seria desconhecer a história não contar com semelhante resultado; mas o progresso não pode parar diante de tais embaraços, e a verdade tem obrigação de dissipar as trevas da ignorância e do erro”. ■