A história das pequenas coisas

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Dora Mendes
técnica de museu

Comemora-se no próximo dia 15 de maio o Feriado Municipal de Caldas da Rainha. Momento de festa, reunião e reencontros de rua, em que a cidade se veste de eventos múltiplos festejando o que de melhor vai tendo para oferecer. Honram-se feitos, homenageia-se quem nos fundou e, entre toda uma panóplia de actividades irradiadas pelo concelho, tendemos a perder a “história das pequenas coisas”.
No próximo domingo o dia iniciará cedo. É necessário abrir a Igreja, engalanar o espaço, prepará-lo para a celebração da Missa Solene que reunirá, em lugar de honra, os representantes do Centro Hospitalar e da Câmara. A celebração caberá ao Capelão do hospital que terá a incumbência de cuidar da alma daqueles que têm sob a sua responsabilidade o destino da nossa cidade.
Este ritual traz consigo muito mais do que a celebração religiosa por si só. A cura da alma precedia à cura do corpo, no então designado Hospital de Nossa Senhora do Pópulo. Era necessário curar o espírito para que depois o corpo se pudesse curar em conformidade. O tratamento dos enfermos estava, por isso, dependente da acção conjunta de três fatores: a salvação da alma, a reabilitação do corpo e, em complemento, o tratamento pelas águas termais.
O Compromisso do hospital previa uma cerimónia de abertura celebrada todos os anos no dia 1 de abril. Para o efeito eram reunidos todos os oficiais e servidores do hospital na Igreja de Nossa Senhora do Pópulo, sentados conforme a sua hierarquia, seguindo-se a leitura deste documento para “cada um saber o que em seu ofício é obrigado a fazer”. Assim lido, e escutado por todos, sob juramento do cumprimento do estipulado, era então tempo de iniciar funções e assegurar o melhor funcionamento da “casa”.
Caldas da Rainha torna-se vila em 1511, arrogando-se o hospital como fator de desenvolvimento social e urbano, bem como um importante recurso económico. Na verdade, independentemente de a vila ter surgido depois do hospital, certo é que nenhum deles teria sido o que foi, sem o outro: o hospital precisou da vila, e a vila precisou do hospital. O crescimento de ambas as instituições foi o reflexo do crescimento da outra. Embora a história de ambas seja muitas vezes conflituosa ao nível dos interesses comuns, esta é, acima de tudo, uma narrativa que sempre se fez a dois, harmonizando-se ambas as instituições à oferta e procura de cada uma.
É certo que hoje a cidade é mais do que o seu hospital termal. No entanto, é nesta génese relacional que se alicerçou o passado, se edifica o presente e, por isso, se precisará de projetar o futuro. Daí a importância na compreensão da natureza destes rituais e das dinâmicas que nos permitiram chegar até aqui.
É no entendimento deste ambiente histórico que encontramos o nosso próprio lugar. O sentimento de pertença surge através da compreensão do papel de cada um de nós neste território e história. Sentimento este, que traz o conforto de nos acolher, mas que também nos responsabiliza a ser e a fazer, assumindo a participação cívica que nos é devida. Ao papel individual de cada um de nós, precisará sobrepor-se o crescimento mútuo, coo-dependente e colaborante.
Bons festejos! ■

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