A liberdade de ler um jornal

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Dóris Santos
Historiadora de Arte e Museóloga

Aceitei o convite da Gazeta das Caldas para uma crónica mensal como um desafio, tanto mais que se teme o fim da imprensa regional, pelo menos nos moldes tradicionais, face à transformação digital da sociedade.
Exigimos estar informados, ao minuto, de forma gratuita e ilimitada. Mais, na ânsia de queremos tomar a palavra e noticiar em primeira mão, de cidadãos-leitores rapidamente nos convertemos em informadores e comentadores.
Traz-me esta reflexão três considerandos. Primeiro, a imprensa associada à informação. A informação é um direito, fundamental num estado democrático, pelo qual muitos portugueses se debateram na história ainda recente do país; mas garantir que a mesma seja rigorosa é também uma exigência. Neste ano pandémico, têm sido evidentes os perigos da desinformação.
Segundo, a imprensa associada ao pensamento. A Gazeta das Caldas nasceu nos anos 1920, num contexto em que os jornais assumiam declaradamente as suas orientações políticas ou ideológicas. O seu desígnio regionalista mobilizou os primeiros editores e corpo redatorial.
Dir-me-ão que hoje este debate se faz sobretudo a nível digital. Talvez! Mas, ainda assim, no país, são poucas as contendas movidas nos periódicos e que impliquem um efetivo compromisso com a transformação do homem.
O que me conduz ao terceiro considerando desta reflexão, o da importância da imprensa regional para a história e memória das comunidades. Quem quiser fazer a história das Caldas da Rainha do séc. XX não pode deixar de consultar a Gazeta, seja que campo da história lhe interessar.
Por outro lado, a transferência da informação e reflexão para os meios digitais inquieta quem lida com a memória e preservação da informação. A fugacidade da produção e consumo da informação na atualidade, sobretudo em planos virtuais, não se compadece com o tempo longo e duradouro da história.
O que vai “sobrar” da contemporaneidade para as gerações vindouras, que presente estamos a transmitir para o futuro? Alvitra-se que, desta pandemia, os arqueólogos do futuro encontrarão como principal vestígio material as máscaras. Espero que, nesse futuro, também existam vestígios dos jornais de hoje, que possam “contar” a sua história.
Por algum motivo, os jornais foram considerados bens essenciais durante o confinamento. Afinal, temos direito à informação e podemos continuar a ler um jornal no sofá, na varanda, no jardim de casa… Mas quem não anseia pelo regresso da liberdade de ler um jornal à mesa de um café ou nos bancos de um transporte público na ida para o trabalho? No dia em que isso for novamente possível, prometo que terei um jornal à minha espera… em papel ou digital! ■

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