Se tudo caminha do início para o fim, este texto está agora no início e esta série de crônicas que escrevo mensalmente encontra-se exactamente no meio da sua jornada – e é no meio que começo a perceber o que quero e onde quero estar. Se há vernissages e finissages para tudo e mais alguma coisa, escassos são os momentos onde se celebra o meio, o que talvez seja uma metáfora para os nossos extremismos e para a forma como levamos a vida. Então, quero celebrar aqui o que está no meio, filosofia que tanto me agrada.
Escrever não me é fácil, é difícil, é duro, mais do que pintar ou desenhar, coisas que me são mais naturais e onde me expresso mais intuitivamente e no entanto são raras as vezes que não desenhe ou pinte sem antes escrever o que vou desenhar ou pintar. Na escrita encontro quase o oposto da intuição, sou confrontado com a consciência plena do que penso e do que quero dizer, é uma conversa a solo que nasce de muitas conversas.
Não sei quem lê o que escrevo, nem sei se alguém o faz ou se gostam ou não, mas no fundo não é agradar que quero, quero apenas dar-vos um outro ponto de vista, uma outra opinião, algo que vos leve a questionar, a duvidar – porque ter dúvidas é normal, o problema é ter certezas. Desenvolvimento constante, eu quero estar no meio como a virtude e como este texto, que encontrou o seu meio marcado por este ponto.
Então tenho de agradecer a Gazeta por este desafio, que me tira da minha zona de conforto e me faz crescer, faz-me ter dúvidas se sou capaz, faz-me ser mais vulnerável, ver melhor as minhas falhas, as minhas opiniões mal formadas, os meus clichês e o meu saudosismo. Quando fui convidado, não sabia bem o que esperavam de mim, talvez a minha visão da cidade ou do panorama actual, ou mesmo considerações sobre o trabalho artístico. A verdade é que vejo a vida como a maior criação artística e os assuntos vejo-os sem fronteiras, unos, como se tudo estivesse ligado a tudo, no entanto difícil é encontrar as linhas que tudo unem e isso torna-me por vezes confuso até para mim.
Escrever faz-me pensar na máxima tantas vezes esquecida, de não fazer aos outros aquilo que não gostamos que nos façam a nós. Faz-me também ver mais além e estender essa máxima para tentar dar aos outros aquilo que queremos que nos dêem a nós. Apesar de tudo, humildemente sinto que ainda não vos dei o que queria, que é um bom texto, algo que se torne vosso, uma opinião que passe a ser partilhada, e que mais tarde se volte a partilhar com um filho ou com um neto como se fosse vossa, mas continuo a tentar ser mais claro, ser melhor.
Dito isto, peço desculpa pelo desabafo, é sincero, e aqui é o fim.