A orelha a’rder

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Bruno Mantraste
Designer

Nunca gostei de fazer anos, foi sempre um dia duro e talvez por isso é-me difícil recordar os aniversários dos outros. Mas conto sempre com ajuda daqueles que me são próximos para me lembrar das datas importantes. Este ano foi o meu amigo Carlos Querido que me relembrou do aniversário da Gazeta e para prolongar os festejos, queria usar estas três colunas de texto para celebrar os 95º aniversário da Gazeta das Caldas.
Poucos sabem, mas o meu primeiro trabalho como designer e ilustrador foi na Gazeta em 2010, na altura estava a tirar o curso de Design Gráfico na ESAD e graças a esse trabalho conseguia pagar as propinas. Entre várias histórias e momentos, e apesar de não ser bom com datas e aniversários, há uma data que não me esqueço, 17 de Janeiro de 2011. Para além de ser o aniversário da minha Avó Joana e o dia de Santo Antão, é também o dia em que fiquei na história da Gazeta com o acidente de trabalho mais estranho, que eu saiba.
Trabalhava na Gazeta com a Carla Caiado e com o Carlos Reis, que eram os designers do jornal, entre outros funcionários ou amigos que por ali iam passando. Para celebrar o Santo Antão, foi decidido assar-se chouriças com álcool acompanhadas de pão e vinho, como manda a lei. Ao acabar o que estava a fazer decidi juntar-me a festa e, ao aproximar-me, ouço o Carlos gritar aflito. Quando olho na direção dele vejo uma chama, qual napalm, a correr na minha direção. Naquele momento só me passou pela cabeça que ficar sem sobrancelhas ia ser estranho, então protegi-as, nisto com a metade esquerda da cara em chamas começo a ser sovado à lapada pelos presentes na tentativa de extinguir o fogo, até que o Carlos teve a sensatez de me cobrir a cabeça com uma camisola, pondo fim ao incêndio.

Percebam com isto que a Gazeta das Caldas é um jornal local, feito por pessoas reais para pessoas de verdade

A fase seguinte, a qual vou chamar “o curativo”, ficou a responsabilidade do Capinha, que disse que vinho era o melhor remédio e tratou de besuntar a queimadura com o famoso bálsamo. Depois do tratamento, fui levado ao hospital para ver se estava tudo bem. O médico ao ver o meu estado torceu o nariz e perguntou-me – “o que é que lhe meteram na queimadura?”, “Foi vinho” – respondi, “ Já vem temperado e tudo!” – disse o médico, enquanto limpava a ferida. No fim da consulta passou a receita para um creme e um conselho: “A próxima vez que assar chouriça usar aguardente”. É de notar que vivi esta experiência com calma e naturalidade, sem perceber o que tinha acontecido. A noite é que foi pior, cheguei a casa e o meu gato tinha morrido e eu passei a noite a sonhar que estava a arder, mas pelo menos tinha sobrancelhas.
Peço desculpa ao Carlos, por tornar este acidente público, sei bem como ficou preocupado nesse dia. Mas hoje sobra só a história para contar e uma tatuagem de um gato com a orelha a arder, cicatriz não ficou nenhuma e ressentimento nunca houve, se a vida serve para algo é para nos dar histórias para contar. Percebam com isto que a Gazeta das Caldas é um jornal local, feito por pessoas reais, para pessoas de verdade, estas palavras são mais para quem escreve e edita o jornal do que propriamente para quem o lê, mas também as escrevo para que quem o lê compreenda a importância destas páginas editadas com o esforço e dedicação que já fazem parte da história da cidade.

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