Joana Louro
médica
A Maria, o António, a Celeste… são nomes por detrás de um rosto, rostos que viveram uma vida e contam uma história. Histórias que não temos tempo para ouvir no caos de uma urgência hospitalar. Às vezes penso, que não as queremos ouvir. Refugiamo-nos no alucinante ritmo diário de trabalho. Protegemo-nos com desculpas. Porque dói. São narrativas tristes que nos roubam a esperança e nos carregam de angustia. Preferimos não ouvir, porque precisamos de manter a armadura que nos permite continuar… a dar o melhor que temos.
São os casos sociais. Que enchem as urgências e as camas hospitalares. Maioritariamente idosos. Pessoas cujo motivo médico que os levou ao hospital já se encontra resolvido e por isso tiveram alta clinica mas não chegam a sair do Hospital. Ou pior, pessoas que nunca tiveram qualquer doença aguda que motivasse a ida ao hospital mas são “despejados” nas urgências porque continua a ser a única porta sempre aberta, 365 dias por ano, 24 horas por dia, que dá reposta – a possível – mesmo que não seja a mais humana.
E são muitos. E cada vez mais. Mais de 2000 pessoas em todo o pais, mais 11% que o ano passado. Uma realidade escondida, que só parece importar quando a pressão aumenta no SNS com a gritante necessidade de camas hospitalares para tratar doentes agudos. O inverno do envelhecimento e das demências está a chegar, de forma inexorável, mas prevista. E os números vão continuar a aumentar.
São muitas as causas para esta triste realidade. A incapacidade de resposta das famílias. Às vezes desresponsabilização, mas nem sempre. O choque geracional e as atuais estruturas social e familiar desequilibram a balança com uma população cada vez mais envelhecida. A falta de lugares na Rede Nacional de Cuidados Continuados e nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas. Mas o grande problema deve-se à ausência de políticas de articulação entre a saúde e o setor social, de respostas na comunidade, de agilização dos processos de referenciação, e de uma enorme burocracia na máquina da segurança social.
Um idoso internado no hospital representa um risco de infeção e de deterioração cognitiva. O protelar das altas tem um custo clínico e económico. Mas tem sobretudo um custo social muito difícil de aferir, mas real.
O Serviço de Urgência e as camas hospitalares são infelizmente a ultima morada destas pessoas, e faz-se o que se pode. Mas não é a melhor morada para um fim de vida, não é a mais digna. Porque não é “casa”, não é lar, não é aconchego. E enquanto esta for a forma de lidar com as nossas pessoas, com os nossos idosos e com a velhice no nosso país, estaremos a falhar enquanto país e sociedade. Estaremos a falhar na mensagem e na educação das novas gerações.
E porque o Natal está aí.. e é sempre uma época de esperança: Espero que façamos diferente e melhor. No futuro. Feliz Natal. ■