Aconteceu no Oeste, aconteceu na Beira Baixa

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Chego à estação de Abrantes duas horas depois de sair de Lisboa. Viagem agradável, mas palavras tristes do factor da CP: «Querem acabar com isto!». Percebi que não é apenas a minha linha do Oeste que eles querem destruir; é também a linha da Beira Baixa. Ligo à minha filha mais velha dando os parabéns ao meu neto Tomás; nasceu em 2006 mas o dia foi domingo, hoje é sábado. A minha filha mais nova veio esperar-me com o namorado mas ainda não chegaram. O meu filho do meio ficou a preparar o churrasco. A luz de Julho no Rossio ao Sul do Tejo entra num forte contraste com a massa líquida do Rio.
Faz agora 50 anos. A viagem de Lisboa à Guarda no comboio da noite dava a ideia de que seria sempre assim: comboios cheios, estações a abarrotar de gente, automóveis e autocarros, cobradores a içarem para os tejadilhos as mercadorias. São sacos dos CTT, bicicletas, cabazes enormes, arcas, pipos ou cestos. Em Abrantes há um mar de gente; partem camionetas para o Carvoeiro e para Vila de Rei. Na Barca da Amieira -Envendos sai um senhor de fato completo que vai para Portalegre num autocarro que só sai às 6h30. Seguem-se mais estações: Tojeirinha, Sarnadas, Benquerenças, Castelo Branco. Daqui vão sair carreiras para Proença-a-Nova, Cardigos, Sertã e Cernache do Bonjardim. Outra vai para Coimbra passando por Pampilhosa e Lousã. Uma terceira vai para Monfortinho depois de passar por Escalos e Zebreira. A próxima estação é Fatela-Penamacor onde um Mack 29 ostenta a expressão da época: «Serviço combinado com a CP». Seguem-se Fundão, Belmonte e, por fim, Guarda-Gare. Acabou a viagem, acabou a memória. Outros dirão mais tarde: «Aconteceu no Oeste» ou «Aconteceu na Beira Baixa». É um Mundo que desaparece e nós com ele na solidão dos dias.

José do Carmo Francisco

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