O dia em que o tecto da biblioteca veio (cá) abaixo

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Noticias das Caldas
| D.R.
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Ainda não chegámos ao nosso exacto destino e já algo de insólito nos chama a atenção: ali está uma enorme abelha ao abrigo do alpendre de uma vivenda que, comprimida entre prédios altos, mais parece uma casinha de bonecas.

Um pouco mais para trás, um gato preto, assanhado, a sair de uma janela, parece querer espantar a abelha, mas esta, impávida e serena, não presta a menor atenção ao zangado felino. Na parede lateral, alguns lagartos aproveitam os últimos raios de sol prestes a desaparecer na linha do horizonte.
Ultrapassado o pequeno portão, seguimos por um corredor cuja parede à nossa esquerda se encontra forrada de azulejos, onde um sem número de gatos pretos assentam as cabeças sobre viçosas folhas de nenúfar.
Eis-nos chegados ao pátio interior do Museu Rafael Bordalo Pinheiro, no Campo Grande em Lisboa. Dois caracóis deslizam com toda a lentidão do mundo, um no muro, outro na parede, usufruindo da calma de um espaço que é um oásis no bulício da cidade.
Perfilado, fardado a preceito, um polícia de giro mantem a ordem, não vá algum dos caracóis escapulir-se ou não resolvam as caricaturas de Rui Pimentel tomar uma atitude drástica e, libertando-se, abalarem pelo jardim no Campo Grande acima, ou abaixo.
Iniciamos assim a visita à exposição «Uma História da Arte Mundial» da autoria do caricaturista Rui Pimentel, onde nos são apresentadas 1695 personagens. A mostra apresenta os painéis originalmente pintados com o intuito de decorar o tecto da biblioteca do autor, na sua casa em Estremoz.
Divididos em cinco secções, a saber, Literatura, Pintura e Escultura, Cinema, Banda Desenhada e História, aqui encontramos importantes personagens que deixaram marcas na história mundial desde os tempos mais remotos até aos dias de hoje. As personagens são-nos apresentadas sós ou acompanhadas por alguém ou alguma coisa marcante nas suas vidas. Assim, por exemplo, o Infante D. Henrique tem por companhia uma caravela, Saramago uma representação do Convento de Mafra, Kipling alguns gatos, Alexandre Dumas os seus três (quatro) mosqueteiros, enquanto Júlio Verne se vê enrolado num polvo de mil tentáculos.
Enquanto na sala do rés do chão estão expostas as reproduções dos painéis do tecto, na sua real dimensão, na galeria podemos ver as diversas personagens enfileiradas, qual batalhão formado em parada.
Esta exposição é demonstrativa da grande criatividade do autor e reveladora da sua arte na captação de atitudes das personagens que, suscetíveis de serem caricaturadas, não impedem o seu reconhecimento. É o resultado de um trabalho árduo e de muitos anos de observação atenta do mundo que nos rodeia.
Dois pontos a lamentar: o facto de não se dispor da publicação da obra de Rui Pimentel com regularidade e a ausência de um catálogo de exposição que esta bem merecia.
E então Bordalo Pinheiro, que é feito dele? Anda a passear por Lisboa? Tomou o Expresso ali mesmo no Campo Grande com destino às Caldas? Está a ultimar alguma página para publicação? Estará a limpar o pó ao Perfumador Árabe? Onde está ele?
Bom, lá acabámos por o encontrar. Discreto, o que não é seu hábito, junto à parede na sala do rés-do-chão, ei-lo construído em pasta de papel, de óculo posto, atento a tudo o que se passa, segurando na cartola, que na sua mão direita, esconde um zé-povinho a fazer um manguito! É assim que se faz, a quem se porta mal… Que é lá isso? A fazer manguitos na presença de tão ilustres visitantes da exposição? É assim mesmo: manietado dentro da cartola, passa a portar-se bem, sob o olhar atento do seu patrono.
Uma exposição a não perder que pode ser visitada até ao próximo dia 12 de Março no Museu Bordalo Pinheiro, em Lisboa. Convidamo-lo a ir até lá. Vai ver que não dará o seu tempo por perdido.

Isabel Castanheira

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