De Braços Abertos – (A)Normalidades

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Por razão da capacidade adaptativa dos seres vivos às diferentes condições da natureza, o que é, indiscutivelmente, uma qualidade admirável e condição indispensável à sobrevivência das espécies, tendemos igualmente a adaptar-nos e a aceitar novos comportamentos sociais, mesmo quando antes os rejeitávamos. Na verdade, as atitudes dos indivíduos têm uma limitada capacidade de resistência às atitudes da maioria ou de outros significantes, à medida que o tempo se prolonga. Então, o que se achava anormal vai tomando a qualidade de normal, começando por estranhar-se e, depois, entranhar-se.

Um dia, mandei sair da sala de aula uma aluna por, no seguimento de uma chamada de atenção ao seu mau comportamento, ter expelido um sonoro “fónix!”. Dois meses depois, os CTT lançavam um novo produto de telefonia móvel, cujo nome comercial era (e é) exactamente… “phone-ix”! Ao longo dos anos, também o vestuário dos alunos evoluiu para um grau de informalidade e gosto alternativo que, por vezes, se torna difícil de aceitar. No Verão, por exemplo, a profusão de bermudas e havaianas suscita a dúvida de estarmos num estabelecimento de ensino ou numa estância balnear, já para não falar das obscenidades estampadas em vistosas t-shirts que, só não chocam mais, porque nem todos conseguem descodificar algumas inspiradas mensagens anglo-saxónicas.
Também nos cinemas se produziu uma mudança significativa. Há uns anos, era considerado feio e socialmente reprovável comer nas salas, antes ou durante a projecção do filme, sendo mesmo proibida a entrada a quem pretendesse fazê-lo. Hoje, por razões económicas (as pipocas geram uma elevada receita) ou outras, faz-se o contrário, sendo os espectadores não-comedores, não-bebedores ou não-lambedores, obrigados a suportar o ruído das matracas em plena trituração, com as caixas de ressonância bem abertas, mesmo quando passa um filme intimista onde os silêncios excedem os diálogos. E o que dizer das conversas em voz alta e ao telemóvel, como se não estivesse mais ninguém na sala, quebrando o verniz de supostas tias bem aperaltadas e perfumadas? Chateia-o? Pois bem, também antes se evitava esta expressão corriqueira num artigo de opinião, preferindo-se “aborrece-o?” ou “incomoda-o?”, mas ela é cada vez mais usada..
Como no domínio económico, também no dos comportamentos e relacionamentos se verifica que “a má moeda expulsa a boa”, confirmando a famosa lei de Gresham. Com o tempo, os comportamentos irregulares e contrários às normas vão substituindo aqueles que, até então, eram considerados usuais e exemplares, ocorrendo uma gradual modificação das atitudes, de que nem sempre se tem plena consciência. Isto acontece mais facilmente quando não está em causa o bem-estar imediato dos outros, mas “tão somente” determinadas convenções sociais, difíceis de justificar para além do que elas simplesmente são. Perguntam-nos, então, “qual é o mal?”. Num tempo de “tiro às normas”, importa explicar a importância das convenções para a estabilidade e a qualidade dos relacionamentos, facilitando, por um lado, a gestão das expectativas e a necessária confiança social, e definindo, por outro, um padrão ético que marca a estética do comportamento humano.

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