Emergências e homens bons

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Saltitando entre leituras várias, algumas correlacionadas com a Medicina, dei comigo a ler um artigo sobre assistência médica a bordo de aviões comerciais. Em situações de indisposição súbita ou doença aguda de um passageiro, pode acontecer ouvir-se perguntar aos microfones se há algum médico a bordo. Já me aconteceu. Felizmente, a situação não era complicada. Éramos vários médicos a bordo e não foi tão dramático como num episódio descrito nesse artigo, em que, como consequência das restrições pós-11 de setembro, nem tesoura a bordo havia para abrir o kit de emergência.
Por associação de ideias, veio-me à memória que, recém-chegado a Caldas, tive de socorrer um homem que desmaiou perto de mim nas antigas instalações da Caixa Geral de Depósitos. Era um diabético e foi fácil de diagnosticar uma crise de hipoglicémia que um simples pacote de açúcar resolveu. O aparato não foi muito, mas o Sr. Dias, zeloso funcionário, não mais me esqueceu.
Esse singelo episódio ocorreu há quase 35 anos e, depois disso, muito pontualmente, outros ocorreram em que houve necessidade de prestar socorro a vítimas na via pública.
No entanto, a abordagem de situações de socorro evoluiu muito nas últimas décadas. Os episódios clínicos agudos têm hoje outra forma de encaminhamento. Graças ao SNS, que cumpre agora 40 anos, existe atualmente uma rede de emergência pré-hospitalar e, nós, oestinos, estamos, nesse particular aspeto, muito bem servidos. O CHO possui duas VMER (Veículo Médico de Emergência e Reanimação), uma com base em Caldas da Rainha e outra com base em Torres Vedras, ambas com excelentes profissionais.
A VMER de Caldas da Rainha iniciou funções em 2002 e, para o seu arranque, eu dei, sem falsas modéstias, um pequeno contributo. Mas a figura tutelar, a alma mater da VMER das Caldas, tem sido o Dr. Joaquim Urbano, sem esquecer um excelente grupo de profissionais que dão vida àquele organismo. E outros que por lá têm passado. Pessoas bem treinadas, enfermeiros diligentes e competentes (alguns foram enriquecer os serviços de Saúde doutros países, fruto dum contexto político-social que a memória coletiva não deixa apagar), médicos dedicados, têm passado pelas escalas ininterruptas da VMER. As escalas foram sempre uma preocupação constante do Dr. Urbano, tanto na sua elaboração, como na necessidade do seu preenchimento. O Dr. Joaquim Urbano deve ser o decano dos emergencistas. Não creio que haja por esse país fora mais alguém que, a dias de perfazer 70 anos, ainda corra, decidido, para o socorro em veículos de emergência. Agora que se vai reformar por estes dias, por limite de idade (ainda não quero acreditar nisso…), vai deixar muitas saudades. Terá a homenagem que merece, mas as homenagens não substituem o vazio…
Voltando à questão inicial, seja na terra ou no ar, em situações de doença súbita haverá sempre um profissional de saúde a dizer: presente! E, como nota final, sublinho que os profissionais de saúde, nessas ou noutras situações, atuam da mesma forma independentemente da idade, sexo, raça ou crença religiosa da vítima. Não fazem distinção. Os profissionais de saúde são, duma forma geral, exemplo de tolerância e os valores humanísticos prevalecem, mau grado os tempos tristemente difíceis que vivemos à escala global.

António Curado
curado.a@gmail.com