Estrada de Macadame – «Se eu não meter a minha mão no seu peito, não acredito!»

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Nasci em Santa Catarina no tempo da «estrada de macadame» no dia 13-2-1951, o dia das «Cinco Chagas de Cristo». Hoje já não é, a Igreja mudou a data. Escrevi outro dia na «Gazeta das Caldas» uma crónica que referiu o assunto das «Cinco Chagas de Cristo» mas não era tudo – faltava algo.
Sabe-se que as chagas de Cristo são no pé esquerdo, pé direito, mão esquerda, mão direita e peito, sabe-se que na bandeira portuguesa, além da esfera armilar do rei D. Manuel I temos os sete castelos de D. Afonso Henriques e, por fim, as cinco quinas que são as cinco chagas de Cristo.
Não sendo eu filósofo nem historiador mas um simples jornalistas («um especialista em generalidades») queria pegar no tema sob dois aspectos: os Evangelhos e a Literatura. Vejamos o Evangelho segundo São João, o seu capítulo 20, antes do Epílogo:
«Tomé, um dos Doze, a quem chamavam o Gémeo, não estava com eles quando Jesus veio. Diziam-lhe os outros discípulos: «Vimos o Senhor!» Mas ele respondeu-lhes: «Se eu não vir o sinal dos pregos nas suas mãos e não meter o meu dedo nesse sinal dos pregos e a minha mão no seu peito, não acredito.» Oito dias depois estavam os discípulos dentro de casa e Tomé com eles. Estando as portas fechadas, Jesus veio, pôs-se no meio deles e disse: «A paz seja convosco!» Depois, dirigiu-se a Tomé: «Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo mas fiel.» Tomé respondeu-lhe: «Meu Senhor e meu Deus!». Disse-lhe Jesus: «Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!»
Vejamos entretanto uma obra literária intitulada «As cinco chagas de Cristo» de Alfredo Pedro Guisado (Pedro de Menezes) companheiro de Fernando Pessoa na aventura da Revista «Orfeu».  Mão amiga, o alfarrabista Ernesto Martins da Biblarte de São Pedro de Alcântara, emprestou-me esta raridade bibliográfica para eu poder escrever a crónica. Desde logo é uma edição de 1927 da Livraria Universal de Armando J. Tavares – Calçada do Combro nº28-30 – Lisboa. Composto e impresso na Ottos Gráfica, Largo do Conde Barão nº50. A capa é de Eduardo Malta. Alfredo Pedro Guisado pega no tema das cinco batalhas e escolhe. Tal como viver, também escrever é escolher. São estas as cinco batalhas escolhidas pelo companheiro de Fernando Pessoa: Badajoz, Toro, Alcácer-Kibir, Alcântara e La Lys. Sendo a bandeira portuguesa actual em 1927 a da República datada de 1910 e a batalha de La Lys de 1918, trata-se de uma liberdade do poeta. La Lys, batalha que aconteceu depois de 1910, não podia fazer parte da memória justificativa da bandeira da República. Vejamos o poema «Alcântara», talvez o mais belo do conjunto:

Ao largo, as casas, lembram um cortejo. / Lisboa, a linda infanta da Saudade,
Acarinha de naus e de ansiedade / As frias águas trémulas do Tejo.
Anoitecem as quinas. Mãos geladas… / Adivinha-se Alcácer mais distante.
Na catedral, as torres alongadas / Beijam de bronze a tarde agonizante.

Passa o luar no inquietante rio / Triste véu que rodeia os cavaleiros
/ Cercando-os de mistério e de desgraça
Tomba o pendão da Pátria altivo e frio / E a Noite erguendo as mãos sobre os outeiros,
/ Poisa mais alto o coração da Raça!

José do Carmo Francisco