«Bife com batatas fritas e um ovo a cavalo»

0
515

No tempo da Estrada de Macadame havia entre os alunos das escolas o hábito dos questionários. Alguns chamavam-lhe inquéritos. Eram cadernos onde as perguntas se sucediam mais ou menos assim: Qual o teu maior sonho? Qual o teu filme favorito? E o actor que mais admiras? Qual o teu prato favorito? Que cantor mais gostas de ouvir?
Ao mesmo tempo, na colecção Ídolos do Desporto, quase cem por cento dos entrevistados (futebolistas, ciclistas, hoquistas, atletas em geral) respondia que o seu prato favorito era o bife com batatas fritas e um ovo a cavalo. Parece-me natural pois para muitos deles esse bife era longínquo objecto de consumo na respectiva infância. Todos estes inquéritos são filhos do célebre «Questionário de Proust» que fez furor em toda a Europa do século XIX e não só. Terá interesse recordar o «meu» questionário feito no Jornal da Costa do Sol no mês de Janeiro do já distante ano de 1996.
Qual é para si o cúmulo da miséria moral? A exploração do trabalho infantil por ser uma forma de prostituição e de aviltamento da condição humana. Onde gostaria de viver? Gosto muito de Lisboa mas gostaria de poder viver no Alto Alentejo: Portalegre, Marvão, Castelo de Vide. Que culpas a seu ver requerem mais indulgência? As que resultam da ignorância organizada pelos poderes e reflectida nas pessoas.
E menos indulgência? As que resultam da força bruta dos poderes exercida sobre quem não se pode defender. Qual a sua personagem favorita? Camilo Castelo Branco.
E as heroínas mais admiradas da vida real? As mulheres anónimas (como foi a minha mãe) que sacodem o sono, acendem o lume e fazem andar o mundo. A sua heroína preferida de ficção? A Teresa do livro «Mário» de A. Silva Gaio. O seu pintor favorito? Vermeer por causa da luz. O seu músico favorito? Bruckner por causa das sombras. Que qualidade mais aprecia no homem? A lealdade porque clarifica relações e esclarece mal entendidos. Que qualidade prefere na mulher? A intuição porque é sempre um valor acrescentado à beleza e à ternura. A sua ocupação favorita? Escrever para sacrificar no altar da Literatura a minha outra vida, a que não interessa. Quem gostaria de ter sido? Um Cesário Verde com menos tempo para a doença e mais tempo para viver. O principal atributo do seu carácter? Não mudar de ideias, não esquecer promessas nem apagar as dedicatórias dos livros. Que mais apetece aos amigos? A amizade vigilante e operativa mesmo sem lubrificações rotineiras – como era o Carlos Pinhão. O seu principal defeito? Calar-me quando devia falar; falar quando devia estar calado. O seu sonho de felicidade? Poder ser feliz um dia com os meus avós, os meus pais e os meus filhos – todos ao mesmo tempo. Qual a pior das desgraças? A morte de quem nos deu a vida. Que profissão que não a sua desejaria ter exercido? A de jornalista para poder escrever uma crónica diária e realizar assim um sonho. Que cor prefere? O verde: direcção da Primavera, presença da Esperança, sentido da Vida a renascer. Sempre! A flor que mais gosta? O cravo porque me deram muitos no «25 de Abril» embora não tenha saído do Quartel. O pássaro que lhe merece mais simpatia? O melro porque me acompanhou nos meus primeiros anos de vida na aldeia onde nasci. Os seus autores preferidos? Tantos: Camões Cesário Verde, Carlos de Oliveira, Ruy Belo, Fernando Pessoa, Camilo Castelo Branco, Nuno Bragança, José Cardoso Pires, Maria Ondina Braga, Ramos Rosa… O seu herói? Ulisses, sem dúvida. Os seus heróis na vida real? Os grandes jogadores de futebol: Três exemplos: Alexandre Baptista nos anos 60, Manuel Fernandes nos anos 70 e Mário Jorge nos anos 80.  As suas heroínas da História? Agripina e Penélope. Que mais detesta no homem? A facilidade com que se transforma em mercadoria, passando a ter um preço e uma cotação. A facilidade com que se deixa degradar. Exacto: quando deixa de ser homem para ser coisa.