Estranha Forma de Vida

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Bruno Santos
Ilustrador – Autor

No final do mês de agosto fui contactado para ilustrar um poema do Alexandre O’Neill, trabalho esse que tinha de estar pronto em novembro para ser vendido em dezembro, e se digo era é porque não está pronto e a responsabilidade é toda minha. Mas não me queria servir do óbvio e do fácil, queria e quero acima de tudo, homenagear o Alexandre.
O texto do O’Neill fala-nos de Portugal, numa viagem pelas suas belezas e misérias. Este ano viajei muito por Portugal e aproveitei para nessas viagens encontrar as referências que precisava. Essas viagens aconteceram sem pressas, fazendo do destino final apenas um pretexto, sendo a estrada e o que na berma se encontra o secreto motivo. Passando pelos fornos de carvão em Santana do Mato, pelas espigas do Alto Minho, pelo cromeleque dos Almendres e pelo montado de sobro Alentejano, pelas paisagens de Arruda e pelos rios de Figueiró, viajo e não me canso. Então, um pensamento se formou (e agora dirijo-me para os que falam mal de Portugal): eu não vejo nele nem um único defeito (talvez só mesmo a humidade nas Caldas) porque Portugal é lindo, o problema são mesmo os portugueses e não falo dos portugueses que fazem parte da paisagem, que esses não conheceram nada além de trabalho, falo sim de nós, eu e tu. E tomando o Oeste por exemplo, se o hábito de chegar tarde é um péssimo gesto para quem quer que seja, aqui a Oeste chega-se tarde a tudo, principalmente quando se vem de comboio e deixam-se ideias passar de validade para saírem mais tarde à rua com cheiro a bafio, não fosse o Oeste já rico em humidade.

Esta falta de cuidado e de visão leva à degradação do nosso património natural

E volto a insistir na Lagoa como microcosmos de exemplo, perdoem-me a repetição, mas vejo as margens cravadas, como chagas, de eucaliptos, os terrenos à volta ensopados em químicos, algas negras, mau cheiro, campos de golfe e resorts assombrados, isto tudo numa pobre lagoa rasgada por concelhos e que há muito devia ser reserva natural visto que é maternidade para a maioria dos peixes que nadam na “silver coast”, como gostam de apelidar a costa para atrair turistas reformados, sem perceberem que políticas sustentáveis e bons cuidados seriam melhor engodo. Esta falta de cuidado e de visão leva à degradação do nosso património natural, o qual tínhamos obrigação de proteger, e de reservas ricas em fauna e flora com as quais deveríamos viver em simbiose. Em conversa com o Miguel, editor que me convidou a ilustrar o poema do Alexandre O’Neill, ele sugeriu olhar para as misérias do país com optimismo e citou Almada Negreiros: “O Povo completo será aquele que tiver reunido no seu máximo todas as qualidades e todos os defeitos. Coragem portugueses, só vos faltam as qualidades.”

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