Desde a publicação do PET-Plano Estratégico dos Transportes que muito se têm dito e escrito sobre a supressão do serviço ferroviário de passageiros na linha do Oeste entre Caldas da Rainha e Figueira da Foz. Não é objectivo criticar ou defender a opção do Governo sobre o assunto a quem compete decidir onde deve ser aplicado o dinheiro dos contribuintes, mas não podemos deixar de responder às vozes que atribuem culpas exclusivas à CP pela fraca adesão da população do Oeste ao transporte público ferroviário. Adicionalmente, importa também comentar os recentes estudos elaborados a pedido do Município das Caldas da Rainha, para que não se transmita a ideia da sua verdade absoluta.
Remetendo a Outubro de 2006, e reconhecendo Coimbra como cidade com um forte potencial de atracção e de destinos das deslocações para a população da região centro do País, a CP efectuou a alteração à oferta do serviço ferroviário de passageiros na linha do Oeste, mais concretamente no Serviço InterRegional, estendendo o serviço a Sul de Meleças para Lisboa, e a norte desviando dois comboios por sentido, da Figueira da Foz para Coimbra. Com esta alteração, pretendia-se melhorar o acesso da Linha do Oeste aos restantes serviços da rede ferroviária nacional com ligações em Lisboa e Coimbra, utilizando para tal o serviço InterRegional vocacionado essencialmente para a média/longa distância com paragem apenas nas estações de maior procura. Em simultâneo, pretendia-se manter o serviço regional de proximidade entre Meleças e Figueira da Foz com paragem em todas as estações e apeadeiros.
Este modelo manteve-se durante três anos e, devido à baixa procura registada, em Dezembro de 2009, um desses comboios por sentido, foi desviado de novo para a Figueira da Foz, situação que se mantém actualmente. Efectivamente a população não aderiu ao serviço oferecido não se tendo verificado aumento da procura.
Esta acção desenvolvida pela CP, apesar de referido no estudo encomendado pelo município das Caldas da Rainha, é minorada, acusando inclusive a CP de nada fazer para melhorar o serviço na linha. Refere ainda o estudo que as alterações da oferta são frequentes gerando instabilidade da oferta quando a estrutura do horário se manteve inalterada ao longo do tempo, com ajustes nos horários apenas para dar resposta a solicitações dos municípios, juntas de freguesia e clientes.
Mas como se explica então, face a esta fraca adesão, a repartição da procura da zona oeste anunciada no estudo de 80% para Coimbra e 20% para a Figueira da Foz. Será que as conclusões do estudo encomendado estão erradas? Não questionamos os valores apontados, mas importa referir que estes valores dizem respeito à população em geral e as análises efectuadas à competitividade do transporte ferroviário ignoram a distância e as deslocações de, e para, as estações. Efectivamente, a população da zona Oeste não se encontra concentrada nas cidades, junto às estações, mas dispersa pelo litoral, usufruindo do serviço ferroviário aqueles que residem na proximidade das estações até uma distância que não ultrapassará os 500 a 1000 metros permitindo a deslocação para a estação a pé. Não é por isso estranho a estação de Leiria, por se encontrar localizada longe do centro da cidade, apresentar uma procura residual do serviço quando comparada com Caldas da Rainha, Bombarral ou Torres Vedras. A uma distância superior, em que se torna necessária a utilização de um outro modo de transporte, a competitividade do transporte ferroviário desce drasticamente pelo custo adicional de viagem, em dinheiro e tempo, aspecto negligenciado na análise comparativa dos tempos e custo de trajecto do estudo de Nelson Oliveira, mas que naturalmente será levado em conta no processo de decisão do potencial cliente quanto à escolha do modo ou modos de transporte a utilizar na sua deslocação.
Este é um factor essencial para o problema. Qual a decisão do potencial cliente face às diferentes alternativas que dispõe? E cada potencial cliente terá a sua árvore de decisão própria atendendo à distância a que está a origem e o destino da sua viagem das estações mais próximas, quais os meios de transporte que tem disponível para acesso às estações, etc., etc., etc. O maior erro que habitualmente se comete é admitir que o potencial cliente toma a decisão idêntica à nossa e nas mesmas condições, quando na verdade cada individuo é livre de decidir qual o transporte a utilizar. O desafio passa por encontrar um modelo de oferta que seja capaz de atrair um número elevado de clientes que, por si só, seja suficiente para garantir a sua sustentabilidade. Se por um lado a resposta é uma oferta de comboios frequente e rápida, por outro é necessário ter em atenção se a receita obtida com o serviço é suficiente para equilibrar a exploração.
Uma das propostas referidas no estudo encomendado é a necessidade de criar uma rede de transporte rodoviária compatibilizada com os horários dos comboios nas estações. Este é um factor essencial para aumentar a área de influência de uma estação, e constantemente referido às autarquias pela CP sempre que é apresentado um novo modelo de exploração. Um bom exemplo é o município de Évora que alterou de imediato e por sua iniciativa o percurso do serviço urbano rodoviário garantindo o acesso à estação. Gostaríamos que todos os municípios servidos pelo caminho-de-ferro seguissem este exemplo, mas infelizmente só confrontados com o fim do serviço é que manifestam boas intenções e empenho em oferecer a intermodalidade, talvez tarde de mais, quando em 2006 foram infrutíferas as diligências da CP de alteração do circuito rodoviário urbano para servir a estação que se encontra fora do centro da cidade. A razão apontada foi o aumento de custo para o município que essa alteração iria provocar.
Apesar de serem propostas diversas medidas no estudo, aquela que teve mais eco foi o desvio dos comboios da Figueira da Foz para Coimbra, apresentada como medida de custo nulo, forte impacto na procura e que a CP só não executa por negligência. Importa agora desmistificar o suposto custo nulo. O simples desvio dos restantes comboios da Figueira da Foz para Coimbra como proposto apresenta um acréscimo de 28 mil quilómetros anuais, a necessidade de mais uma automotora para o serviço e, derivado ao maior tempo de condução mais recursos humanos. Sem por em causa a exequibilidade do modelo, devido à limitação de capacidade no troço entre Verride e Alfarelos de três comboios por hora em ambos os sentidos e à compatibilização dos horários na linha do Norte, existe uma acréscimo de custo na ordem dos 288 mil euros por ano.
O estudo encomendado pelo município das Caldas da Rainha é totalmente omisso quanto à sustentabilidade da linha, apresentando como solução para o problema uma expectativa, com a qual não comungamos, de aumento da procura na ordem dos 20% pelo desvio dos comboios para Coimbra. Também não deixa de ser verdade que refere não ter recebido em tempo útil os dados solicitados à CP. Mas sem entrar em grandes detalhes e pormenorização das diferentes parcelas, o custo de produção do serviço ferroviário de passageiros na linha do Oeste é da ordem dos 7,5€ por quilómetro, custo que inclui apenas os custos directos de material, energia, maquinistas e revisores, e da taxa de utilização da infra-estrutura paga à Refer (não inclui custos de estrutura). Por outro lado a receita por passageiro do serviço regional é da ordem dos 0,07€ por quilómetro. Em resumo, para garantir a cobertura dos custos directos do serviço seria necessária uma ocupação média ao longo do percurso do comboio superior a 100 passageiros. Actualmente, com uma procura média de 50 passageiros por comboio, a que corresponde uma ocupação média de 20 passageiros ao longo de todo o percurso, seria necessário quintuplicar a procura ou a tarifa, ou reduzir os custos para um quinto do valor actual. Mesmo conjugando os três factores em simultâneo para não cair em valores absurdos, chegaríamos a uma situação incoerente de aplicar um forte aumento do tarifário e, em simultâneo, obter um aumento significativo da procura.
Seja qual for a solução que venha a ser apresentada, mesmo com uma redução significativa dos comboios como refere o estudo, muito dificilmente se obterá a sustentabilidade económica do serviço. Qualquer outra empresa recusará a realização de um serviço que dá prejuízo, sem a garantia de uma comparticipação que lhe garanta o cumprimento das suas obrigações com os salários dos trabalhadores, pagamento a fornecedores à segurança social e ao estado. Nesse caso a quem competirá suportar o défice de exploração? Essa é uma pergunta que não compete à CP responder.
Por: Nuno Moreira*
*Vogal do Conselho de Administração da CP