O Pão e o Vinho.

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Éramos três e o futuro ainda estava quase todo por acontecer. Às vezes, pela tarde adentro, esgotados todos os outros palcos onde nos podíamos sentar, beber um copo de vinho e resolver, taxativa e ruidosamente, os problemas do Mundo, acabávamos no Antero, sentados ao balcão, a beber pequenos copos de tinto e a comer umas moelas com pão, ou o que mais houvesse para que o vinho não caísse na fraqueza.
Os frequentadores assíduos entreolhavam-se com um ponto de interrogação na sobrancelha e, entre o espanto e a curiosidade, por vezes metiam conversa. Dois homens e uma rapariga sentados ao balcão do Antero, se não era uma novidade absoluta, não era também corriqueiro e inteiramente natural.
As tardes naquele tempo eram grandes, porque para quem é jovem o tempo tem artes de escapar à tirania dos relógios, mas não suficientemente grandes que nelas coubessem toda prosa e toda divagação que nos ia nas inquietas almas e por isso, quantas vezes, era já de noite que dávamos por terminada a prelecção.
Depois, o mundo lá foi seguindo o seu curso e a Taberna do Antero, acompanhando o tempo com passo ligeiro, entrou no futuro a horas certas.
Hoje, no Antero projecta-se uma dimensão de inovadora criação, onde se congrega muito mais do que bom vinho e bom prato – um lugar de culto onde se harmonizam vontades e onde cada um se sente o primeiro entre iguais.
De segunda à quarta, a semana decorre sem sobressaltos, com a ementa a que estamos habituados, num encantador carrossel de sabores antigos a que podemos, confortavelmente, ir regressando. À quinta, o dia favorito dos clientes habituais, com música ao vivo, antecipa-se o final da semana, à sexta, numa casa que nunca chega para as encomendas, celebra-se o final da semana, e ao Sábado ao almoço arruma-se a semana em glória.
É preciso muito mais do que qualidades gastronómicas e vínicas para propiciar a sensação de epifania que os frequentadores desta tasca, mais antiga do que a maioria dos fregueses, experimentam através de um código de partilha, que só uma verdadeira confraria consegue materializar.
O Antero de hoje é o coração da cidade a pulsar, o lugar onde todos querem estar, a casa que inexplicavelmente consegue agigantar-se e acolher sempre mais um, mas, para alguns de nós nunca deixou de ser o balcão atrás do qual o Ti Antero servia copos de tinto com igual bonomia à freguesia habitual e a três inusitados, e às vezes pouco sóbrios, fantasistas.

Conceição Henriques
couto.henriques@gmail.com