Carlos Querido
Juiz Desembargador Jubilado
9. A vastíssima obra literária e o reconhecimento oficial
José da Felicidade Alves produziu uma obra escrita ampla e variada, avultando entre as publicações de natureza teológica e pastoral: Católicos e Política (1969), Pessoas Livres (1970), É Preciso Nascer de Novo (1970) e, Jesus de Nazaré (Livros Horizonte, 1994). Foi também na editora Livros Horizonte que publicou a extensa bibliografia premiada pela Academia Nacional de Belas Artes, que o fez académico em 1994. Redigiu uma série de estudos originais sobre o Mosteiro dos Jerónimos (três volumes publicados entre 1989 e 1994); coordenou e anotou a coleção «Francisco de Holanda» (seis obras entre 1984 e 1989) e a coleção «Cidade de Lisboa» (cinco obras, entre 1987 e 1990).
Em 10 de Junho de 1994, foi agraciado com a Comenda da Ordem da Liberdade pelo então Presidente da República Mário Soares. No ano seguinte recebeu o prémio Júlio de Castilho de Olisopografia, atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa.
10. Razões da sugestão de leitura
A leitura da obra citada onde foram colhidas as citações que antecedem – Padre Felicidade – O Oposicionista Praticante – revela-se indispensável a quem queira conhecer o extraordinário percurso de vida dum sacerdote que pagou um elevado preço pela liberdade, à qual nunca renunciou.
Por todo o livro perpassa desassossego, inquietação interior, urgência de mudar o mundo.
Para além do conflito com a conservadora hierarquia eclesiástica, a quem acusava de cumplicidade com um regime político que recusava o reconhecimento dos mais elementares direitos, liberdades e garantias, estruturantes da cidadania e da dignidade humana, o sacerdote do Vale da Quinta confronta-se com um conflito interior, afetivo e emocional, fonte de profunda angústia, como se ilustra em duas cartas citadas no livro:
– Carta de 12.02.1965, dirigida ao cardeal Cerejeira – «Quero-lhe muito […] não foi o amor à Igreja que me levou a obedecer-lhe e a colaborar; foi e é a amizade pessoal a V. Eminência». Não quero vê-lo sofrer mais. E sei que sofre imenso. A sua cruz é duríssima» (p. 209);
– Carta de 18.01.1969 (após a suspensão a divinis), dirigida ao Padre José Ferreira: «Será a cólera, uma cólera metódica e indomável, que me levará a destruir o mais possível a mentira da mansidão cerejeiral, a hipocrisia da paternidade episcopal, o estalinismo do poder eclesiástico» (p. 210).
É profunda a mágoa com a suspensão e posterior excomunhão de um sacerdote que, com alguma ingenuidade, não colocava a hipótese de deixar a Igreja, afirmando em carta dirigida ao Cardeal Cerejeira, de 16.11.1968 (logo após a suspensão) – «nunca pensei em lutar por outra Igreja, mas sim por uma Igreja-que-seja-outra», acusando na mesma missiva, a Igreja, de apoiar «métodos de governo que são Escárnio à face do Evangelho e da consciência humana» (p. 43).
Deparamo-nos no livro com momentos surpreendentes, como o encontro com Álvaro Cunhal em Paris (p. 100), a violenta reação de um futuro ministro da educação a uma homilia (p. 80/81), a denúncia das atividades de Felicidade Alves, feitas por Casal Ribeiro a Salazar (p. 114), etc., etc.
Leia o livro, e surpreenda-se, caro leitor da Gazeta.
11. O esquecimento na toponímia caldense
Em 8 de outubro de 2004 publiquei na Gazeta das Caldas um texto no qual, após referir a atribuição do nome José da Felicidade Alves a uma Rua em Campolide, questionava: «A terra onde nasceu não poderá deixar de sentir orgulho pela atribuição de tal distinção a um dos seus, e haverá, certamente, por aí, uma praça, uma rua ou um jardim, que possam evocar e perpetuar o seu nome e a sua memória».
Posteriormente, foi atribuído o nome do sacerdote do Vale da Quinta a um Largo de Salir de Matos (frente à Igreja).
Entretanto, o Padre Felicidade mereceu honras de atribuição do seu nome a uma Rua em Oeiras – Cruz Quebrada, e a uma Praceta na Amadora – São Brás.
Para quando a atribuição do nome de um dos mais ilustres filhos do concelho, a uma Rua em Caldas da Rainha? ■