De Palavra em Riste – Trump, Hitler & Suecson

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notícias das Caldas
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O título de hoje não se refere a uma firma a operar neste mundo multinacional de negócios de guerra suja. É apenas uma tentativa e um pretexto para dar nota de umas quantas coincidências e proximidades, algumas delas perturbantes, mesmo que Marx tenha observado que a História não se repete, porque acontece primeiro como tragédia e depois como farsa. Sendo estas elementos da linguagem teatral, temos, curiosamente reunidos pela proximidade temporal, por um lado o espectáculo «Europa 39», recentemente estreado pelo Teatro da Rainha, com textos de Bertolt Brecht escritos no exílio, à beira de rebentar a II Guerra Mundial, em que se denuncia o perigo que representava a postura agressiva da Alemanha nazi e também a política de neutralidade dos governos escandinavos de então, e por outro, a alusão de Trump a um atentado terrorista, inexistente, na Suécia, para justificar a sua hostilidade face à imigração.

Nas peças, a personagem inquietante do Estranho Cliente representa Hitler a propor pactos de amizade que não está disposto a respeitar enquanto compra ferro ao comerciante Suecson (cujo oportunismo e hipocrisia apenas deseja vender mercadoria), para se armar e assaltar os vizinhos, vistos como inimigos potenciais, justificando essa agressividade com mentiras e desculpas inventadas. Trump age, de facto, de forma semelhante, contra tudo e contra todos, vendo por toda a parte ameaças e imaginando-se cercado de riscos, exagerados pela pós-verdade, propaganda e pelas tentativas de cercear a liberdade de informação a que recorre.
No espectáculo surge um Pessimista que introduz o real, mais uma vez de tempos sombrios, lido em notícias actuais: «Trump defende o aumento do arsenal nuclear até que o mundo ganhe bom senso»; «A extrema-direita europeia espera ganhar as eleições em 2017 e criar uma nova ordem»… Esta ideia de «Nova Ordem Europeia», introduzida entre 1941 e 1943 pelos ideólogos de Hitler, propunha uma «cooperação económica» dirigida pela Alemanha que manejaria a seu favor as taxas de câmbio e controlaria os bancos centrais dos países ocupados. Nessa «Europa Federal» nascida sob a força e disciplina da liderança e protecção do Estado mais forte, como sublinhou Medeiros Ferreira «tratava-se de constituir uma grande esfera económica numa organizada divisão internacional de trabalho, assente nas mais modernas tecnologias e comunicações, cuja finalidade seria o pleno emprego, a prosperidade, a segurança dos mercados e a existência de uma moeda estável». Chegou-se mesmo a avançar com um projecto de tratado – o Acto da Confederação – no qual se eliminaria passaportes e vistos, bem como taxas aduaneiras e outras barreiras ao aumento do comércio, formando um sistema inter-europeu de vias de comunicações e um mercado constituído por um bloco comercial e financeiro no qual o marco seria a moeda de reserva.
Irresistível, comparar com o modelo da UE.
Veja-se a fala final do Estranho Cliente: «Desejo – e estou habituado a que os meus desejos se realizem – que seja aqui celebrado um acordo entre vocês e que constituam uma associação. Já tratei da vossa protecção. Além disso, preciso dessa associação. De outro modo, nem o ferro nem os arenques, nem a carne de porco me serão entregues pontualmente. Povos irmãos: uni-vos e assim por diante. Momento histórico! Está fundada a vossa união. A partir de agora as vossas entregas de mercadorias far-se-ão em comum».
Por vezes a realidade imita a ficção!
No Congresso dos Povos pela Paz, realizado em Viena, em 1952, Brecht dizia: «Renovemos os nossos alertas mesmo se eles nos deixam na boca um gosto a cinzas! Porque a humanidade está sob a ameaça de guerras e elas rebentarão de certeza se não quebrarmos as asas dos que estão a prepará-las à vista de todos».

José Carlos Faria

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