Patrimonializar a Green Hill: porque não um Museu da Era Disco?

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Há dois anos a esta parte fui a Budapeste a congresso internacional de historiadores falar sobre a construção da identidade cultural do Tibete na longa duração e das políticas colonias da I República, com um simpático apoio da Fundação Oriente. Quero com isto dizer que ao contrário do vox populi a “história dá muito trabalho” e tem inegável valor económico. Esta realidade aplica-se tanto ao passado remoto, como a épocas bem mais perto de nós.
Escrevo como cidadão. Nunca estudei a fundo a Green Hill sob que ponto de vista fosse. Mas ontem passei pelo “monte verde” onde os escombros convocam memórias. Vivi com a “memória social” de ali ficar a primeira discoteca do país. Talvez não fosse. Para muitas gerações foi a descoberta da diversão a aprendizagem da responsabilidade. A primeira e última paragem antes de verão. É fácil perceber como representa um tempo e uma memória e tantos e tantas que por estes oestes passaram, muitas vezes fugazmente. Agora na mais completa ruína uma grande tabuleta diz: “vende-se”. O edifício é singelo desprovido de valor estético ou arquitetónico. Todo aquela zona urge uma reflorestação. Mas retorna-nos à memória dos tempos do Disco. Por que não patrimonializar a “disco do monte” que viveu de tudo um pouco nas últimas décadas e cuja criação, ascensão e declínio se confunde com a história social deste país?
No regresso de Budapeste fiz um desvio em Amesterdão. Aproveitei para ir a três dos principais museus e tantos, tantos mas tantos ficaram por ver. Em cada quarteirão, qualquer tema, desde o queijo à prostituição, do cannabis à vida de Anne Frank, servia de motivo para um “musezinho” sob várias formas e tentativas de não apenas proteger e difundir a história política, social e cultural daquele lugar, mas e, sobretudo, de lhe extrair valor de um ponto de vista económico. Não cabe aqui discussão teórica sobre as vantagens e desvantagens desse modelo. Sublinha-se que grande parte desses atrativos culturais eram privados. Não discorro sobre a qualidade e validade museológica de alguns desses espaços.
Balizado na história de Portugal recente dos anos 80 ao início do século XXI, explorando a evolução dos gostos musicais e dos hábitos de lazer, no país, na Europa e no mundo, incorporando (porque não), mesmo a própria valência de discoteca no conjunto a patrimonializar, o escombro da Green Hill poderia ser transformado num “Museu do Era Disco”. Como uma linha temática correlacionando Portugal e o mundo com história local falar-se-ia de que mudou nesta terra nos últimos tempos, ao som do disco sound. De facto, a perder cada vez mais adeptos talvez o próprio conceito de discoteca só caiba num no museu e por isso mesmo se deverá preservar como memória, estudar como história, valorizar como cultura de um tempo que já foi.
Dir-me-ão: sonhas muito alto. É defeito talvez de nascer em Portugal de sentir o mundo pequenino a encolher cada vez mais. De Amesterdão à Foz do Arelho não vai só a viagem de avião, há todo o “oceano de vontades” a separar as gentes. Fiquemos a meio caminho. No outro lado do mare-nostrum na ilha de Chios (mar Egeu) viveram tempos aflitos sob estigma da crise económica. Também aí se vive do turismo, quase tudo fecha no inverno. Há lá um “Museu da Laranja” muito simpático, construído e “vendido” como se mais laranjas no mundo não houvesse, com todo orgulho dos humildes de quem sabe valorizar ao máximo o pouco que é seu. Dir-me-ão: e dinheiro rapaz? Vontades haja e constroem se mamarrachos à beira-mar. Agoirando como se diz do cronista fica por aqui a ideia a o desafio: porque não um Museu da Era do Disco na defunta Green Hill?

José Raimundo Noras