A cerâmica é um dos vectores fundamentais da identidade de Caldas da Rainha. Nem sequer é necessário invocar Maria dos Cacos, Bordalo e um conjunto vasto de artistas – artífices e artesãos – que chegaram até aos dias de hoje, para identificar essa poderosa tradição dos saberes seculares do barro e do fogo, a qual está viva e resiste, apesar do encerramento de unidades industriais de referência e das olarias terem desaparecido (a propósito, como teria sido relevante preservar o belo testemunho do espaço da última olaria, a de João Reis, na esquina da rua do Funchal, com o seu forno, quintal de secagem, rodas de oleiro, utensílios e com algumas das peças ali produzidas… À época, a edilidade alheou-se do assunto e não pode queixar-se de não ter sido alertada).
Surge pois como pertinente considerar que Caldas da Rainha é o local, porventura ideal, para a instalação de um Museu Nacional de Cerâmica. Contudo, para que a ideia reúna condições de vingar, torna-se indispensável não a comprometer com decisões que, tomadas agora, venham mais tarde a revelar-se inviabilizadoras, de forma totalmente irreversível e insuperável. A municipalização, em marcha, do actual Museu de Cerâmica, arrisca-se a ser um desses passos. Na verdade, existem bons motivos para, a exemplo do que aqui sucedeu com o sector da Educação, a Câmara Municipal, em nome de um projecto de maior vulto e significado, recuse a transferência de responsabilidades, processada sem o devido acompanhamento de meios, a que o Poder Central, num vício demagógico e mistificador, persiste em confundir com Descentralização. Este intuito genérico consta do programa de governo, transposto para um Orçamento de Estado para a Cultura que tem contra si o lamentável feito de se apresentar financeiramente ainda mais débil do que o do PSD/CDS. Embora o ministro da tutela considere não serem necessários mais museus, neste caso concreto laboraria em erro flagrante. A acontecer um Museu Nacional da Cerâmica, ele poderia ser associado ao relançamento em novos moldes de um certame específico e assentar numa organização multipolar: os edifícios do palacete do Visconde de Sacavém para os serviços administrativos, biblioteca, centro de documentação e exposições temporárias; a parte das instalações da Fábrica Bordalo Pinheiro, adquirida pelo município, para oficinas, armazém, departamento de restauro e conservação, residências artísticas, em eventual colaboração com o Cencal; e por fim, numa ala dos Pavilhões do Parque, reabilitada em função de modernos padrões de musealização, a instalação do acervo, incorporando o existente, reforçando-o com aquisições orientadas, doações e colocações em depósito. Não se ignora o desejo expresso de os Pavilhões acolherem uma unidade hoteleira com spa. Todavia, o perfil da tipologia arquitectónica implica custos elevados de adaptação, que ao que se diz, já terão afastado potenciais investidores.
No entanto, para que tudo isto possa vir a ser viável há que, com energia e determinação, começar desde já a trabalhar nesse sentido, congregando apoios e vontades, sensibilizando poderes de decisão, senão será apenas mais uma das muitas oportunidades que têm sido irremediavelmente perdidas. A criação de um Museu deste cariz, para além da importância de vir colmatar uma lacuna óbvia no quadro museológico português, seria, em todos os planos, uma óbvia mais-valia acrescida, desde logo para a cidade e a região.
E mesmo sem um laivo de remota esperança devido ao histórico de perspectivas de futuro amputado, acumulado por esta Autarquia, coloca-se ainda assim a questão: Estará o executivo municipal disposto a subscrever a aposta neste desígnio e a bater-se por ele?