Bom Sucesso do insucesso I
O asfalto acabava na aldeia do Váu. A partir daí, pelo caminho pedregulhento e esburacado de terra batida só avançavam os aventureiros que tivessem pouca estima nas suas viaturas.
Progredia-se penosamente através dos muitos hectares da Quinta do Bom Sucesso, mas a recompensa justificava a cobertura de pó do carro e a despesa na oficina por causa da suspensão, como acontecia com o nosso, ao alcançarmos numa espécie de península um lugar de deslumbrante beleza bravia, na margem sul da Lagoa de Óbidos.
Eramos saudados por uma parede na qual estavam inscrições de boas vindas em línguas diferentes e com o nome do empreendimento que, de turístico pouco tinha, ao contrário do que naquela época dos 70 se começava a expressar em Troia, mas sobretudo no Algarve.
E lá seguimos, em 1972, eximiamente conduzidos pela mãe e orientados pelo entusiamo da madrinha Ilda que conseguiu influenciar a compra de um lote num bairro em que ainda não havia casas. Fiquei maravilhada com aquela possibilidade de virmos a ter um pedaço de floresta ao qual logo lhe atribui o fantasioso nome de O Bosque das Fadas Encantadas, coisa que só uma menina criança acha adequado.
Em sonhos passei a povoar aquele ensaio de principado com gnomos e personagens encantados à escala da pitoresca Aldeia da Lapinha e da Aldeia dos Pescadores que recuperadas pelos Belgas, como alguns lhes chamavam, valorizavam o património arquitetónico rural nacional que os portugueses pareciam ter passado a desprezar. Na época as casas portuguesas para além de começarem a apresentar inclinados telhados pretos, eram desconcertadamente grandes e revestidas com azulejos de casa de banho. Um pavor que neste reduto se determinou evitar através da assinatura de um contrato em que o comprador se comprometia a edificar segundo as características regionais, casas de piso térreo, com exceção para bairros específicos, pintadas de branco, com telhado de barro vermelho que contribuiriam para a harmonia e preservação da paisagem.
Como após revolução a regra passou a ser quebrar a regra, curiosamente em toda a Turisbel, o primeiro a transgredir foi o padre da aldeia que mandou erigir um paralelepípedo monstruoso, pintado de bege e com janelas de alumínio e estores, ao contrário das janelas de portadas de madeira de todas as restantes. Atos iluminados pela energia do momento que gerou muitos equívocos, com verdadeiros atentados ao meu pudor estético de burguesinha que passara a adolescente por esclarecer, mas já com inclinação para a problemática do belo, do feio e da floresta.
Ainda pior do que agora, nada se encontrava para abastecer e pouco para comer, além das dunas cobertas de vegetação com o seu cheiro característico onde não faltavam camarinheiras, armérias, pinheiros mansos e bravos em fases de crescimento diferentes. É que o empreendedor, como agora se diz, era uma abastada, mas simples família estrangeira que tinha uma visão antagónica ao abate e corte que atualmente se pratica por promotores portadores de avais nacionais, especialistas insolventes em dissolver lugares. Eles preferiam andar descalços em contato com a areia da praia, vivendo de maneira despojada, mas estavam já cientes do valor da vegetação pelo que dispersaram sementes por via aérea traçaram uma urbanização com bairros nos pinhais mais antigos e outros nas dunas, demasiado próximo da maré alta. Coisa que à luz do conhecimento da década de 70 parecia não ter qualquer gravidade pois poucos se atreviam ao desgaste de tal salina proximidade.
(a continuar)
Maria João Melo
rainhaemcalda@gmail.com