«Rememoração do Tempo e da Humidade» de José Luís Hopffer C. Almada

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notícias das CaldasO ponto de partida do livro é o poema biográfico do autor: «Nasci numa aldeia / à sombra de um sobrado / e da austera penumbra das montanhas.(…) / Hoje sei que sou / um simples signo / de Adão e Eva / e do seu éden pétreo / no Pico de António.» Temos o Tempo que é a História e a Humidade que é a Ilha; afastando-se do «eu», é no «nós» que o poema atinge caminhos colectivos: «Todos nós éramos / trovadores do jogo de futebol / e do seu corpo redondo / buscando os paraísos / velozes luminosos cometas /albergados no voo da bola / nos golos súbitos aterrando / nas redes imaginárias / das balizas de pedra / e as mãos defraudadas / dos guardiões / das noites longas da Assomada.» A partir do futebol (jogo colectivo) o poema deriva para a emigração (movimento colectivo) e recorda «Todos nós éramos / emigrações inscritas / no esqueleto das montanhas / navios de todos os Atlânticos / ancorados na fisionomia / raquítica e contorcida /das purgueiras ao sol / da rala vegetação / nas raízes da fome e da carestia.» Outro tipo de «emigração» que é a dos animais: «Lembras-te, Nelo / das vacas das cabras das alimárias (…) / alheadas do seu destino de gado vivo/ alheias ao seu inexorável final / de carne morta e esquartejada / para as mesas e os exigentes paladares /das criaturas do além-mar?» As recordações desviam-se para o Liceu Gil Eanes: «Lembras-te Arménio / dos estudantes liceais teus condiscípulos / filhos dos colegas de carteira do teu pai / e dos pais dos teus amigos / teus futuros camaradas / conhecidos dos nossos irmãos / dos nossos primos dos nosso tios / dos nossos parentes mais velhos / tímidos atónitos irrequietos de ansiedade / a caminho da matrícula da admissão /da ilustração no Liceu Gil Eanes».

Outro «ramal» da memória é o do Amor: «Todos nós éramos/ adolescentes consumidos / na lenta combustão do enamoramento / no inesperado ateamento do fogo da paixão / nas serenatas nas tocatinas nas tímidas esperas / nas esquinas dormentes crepitantes de amor / indagando os tormentos tracejados / nas púbis folhosas das namoradas / apressadamente desfloradas / nas pausas imaginadas das aulas de ginástica / perscrutando os mistérios / nos corpos velados das amadas / sofregamente beijadas / nos intervalos das aulas de latim.» Está presente a lição de Breton: «É no amor humano que reside todo o poder de regeneração do Mundo.» Logo a seguir ao Amor, a Poesia surge na página 225: «Lembras-te, Julinho Damas / dos versos sonhadores / do libertário onirismo / dos poetas da Nova Largada / e de outros versados / na arte poética de intervenção social (…)?» Na página 243 o poema recorda nomes de combatentes da terra firme irmã (a Guiné Bissau) como «Jaime Mota, Justino Lopes, Zeca Santos, Rui Djassi, Domingos Ramos, Vitorino Costa e Titina Silá», a mulher-menina chamada «a flor dos tarrafes». Esta memória alargada prova que o livro não se esgota na sua geografia caseira porque a sua casa é todo o Mundo.
(Editora: INCM Lisboa, Prefácio: Elsa Rodrigues dos Santos, Posfácio: Rui Guilherme Silva)

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