Celeste Afonso
diretora cultural executiva
A 17 de Janeiro, como acontece anualmente desde tempos imemoriais, todo o obidense ruma ao Santo Antão. A ermida é o ponto de encontro dos locais e forasteiros que, neste dia, cumprem a promessa feita no ano anterior, enquanto desciam os 150 degraus “Para o ano, voltaremos!”.
Depois da celebração da missa em honra do Santo e da bênção dos animais, os romeiros dirigem-se à casa de esmolas ou à sacristia para pagar a promessa e recebem em troca uma vela enrolada numa fita sacramental que será, depois, amarradas à cabeça dos animais para ficarem protegidos contra qualquer mal.
Hoje em dia, já não é a promessa ao Santo que move milhares de pessoas a deslocarem-se ao cabeço. É o convívio à volta de fogueiras, chouriços assados e bom vinho, ao som de concertinas e de cantares. É uma romaria muito peculiar. Em 1959, a romaria realizou-se sem arraial, conforme as determinações da Autoridade Religiosa. O povo não lhe sentiu a falta e mais tarde, quando foi levantada a proibição, continuou a celebrar o Santo num convívio espontâneo, sem mordomos nem organização prévia.
Entre alguns romeiros, há uma certa confusão entre o Santo Antão, Santo Antão do Egito, Pai de Todos os Monges e Protetor dos animais e Antão Vaz Moniz, fidalgo natural de Óbidos, cavaleiro de el-rei D. João I, que em 1386 mandou erguer a Capela como cumprimento da promessa que fizera ao Santo para que D. João I vencesse os mouros e livrasse Óbidos do jugo espanhol.
Também poucos sabem que aquele recinto é um sítio arqueológico identificado no início deste século e datado do Calcolítico Pleno (2600 a.C. – 2200 a.C.), sendo muito provável que estejamos diante de uma divindade de tutela do castro.
Mas não é importante. O que importa é que a tradição se repete anualmente e faz parte do nosso património cultural e da identidade local.
Em 2016, naquele que é, para mim, o melhor FOLIO de sempre, numa parceria com o Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), trouxemos a Óbidos uma reprodução em tamanho real de “As Tentações de Santo Antão”, de Hieronymus Bosch, para assinalar os 500 anos da morte do pintor. Falha nossa (reconheci a posteriori), não levámos esta obra prima aos centros de dia nem a cruzámos com a romaria do Santo Antão como forma de criarmos novos referentes em todos aqueles que vivem ou viveram a tradição.
Mas fica a sugestão: Depois do Santo Antão, em Óbidos, quem puder vá ao MNAA apreciar o tríptico “As tentações de Santo Antão”, de Bosch. Turistas de todo o mundo deslocam-se a Lisboa propositadamente para apreciar esta obra e muita gente, aqui tão perto, nunca teve a oportunidade de a ver. ■