Vergílio Alberto Vieira (n.1950) já tinha publicado em 1999 «A imposição das mãos» e em 2006 «Papéis de fumar» mas volta a reunir a sua «obra poética» num único livro de 497 páginas com poemas escolhidos de 21 títulos anteriores. Desde «A idade do fogo» (1980) até «Halo y tangência» são mesmo 21 (ou seja 3 vezes 7) livros lidos e com os seus poemas escolhidos sob um título que faz homenagem a Luiz de Camões ou seja, a um dos seus versos. Esta componente de «literatura de homenagem à literatura» é uma das vertentes da obra poética de Vergílio Alberto Vieira tal como, por exemplo, a tradição oriental (chinesa e nipónica) ou os místicos espanhóis como Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz ou Frei Luís de León.
Vejamos por exemplo Carlos de Oliveira na página 221 («Com a noite / em sonho voltam / à Gândara /o assombro das águas / o augúrio da voz.») ou Fernando Assis Pacheco na página 183: «vem o autor à boca de cena e diz / se a maldição for tanta / não há papel que conte a minha vida / mais que estes versos de punhal à cinta.»
Como convite à leitura ficam quatro poemas e uma despedida. No primeiro a presença da Guerra Colonial: «com que então / a Cruz de Guerra a 10 de Junho / Dia da Raça no Terreiro/ por ter saído vivo / da Guiné onde / o campo de minas / em que entrara ao engano / o fez voltar / como herói.» No segundo o retrato de um avô que o poeta também é: «Cercado de sombras / o olhar do avô lembra o beiral / onde a ternura faz ninho». O terceiro fala do poeta ele-mesmo: «Fascinam-me a hora e o medo original; a palavra incriada, a essência e as coisas infinitas, o capricho da hera enquanto arde; o ser e o não ser; a água e o pélago; a música do vento; o sal e os navios; o linho, o aroma das arcas e do pão; a mãe cada momento coroada de ternura; o mais próximo acto; a morte; a perda; a casa; a pedra; o gume; o regoliz cercado de montanhas; a fronte e a tragédia; a naufragada cor das velas, o mar, a voz ameaçada, o infortúnio; o feno, as eiras – algumas sábias diferenças.» No quarto poema os livros: «Da voz / que os ditou, ninguém / a origem de todo saberá. / Uns já foram pedra/ por eles se conheceu o destino / do mundo; outros, oferenda / da terra ao sol / suspensa das mãos / que os escreveram. / O que os olhos não vêem / o que a boca não canta / dos livros são fulgor divino. A marca de água / assina cruelmente esta suspeita.» A despedida está num poema que é o eterno retorno da palavra e do poeta: «Sob a tenda onde improvisa / A mesma melancolia / Nocturno aguarda a indecisa / Canção do final do dia / Na página em branco do sono / O enigma é agora escrever / A sorte que o abandono /Assinalou logo ao nascer.»
(Editora: Crescente Branco, Foto: Fernando Machado, Capa: Kore.Marmól. 530 a.C., Escultura: Jorge Ulisses, Grafismo: César Antunes)