UM LIVRO POR SEMANA / 530 / «Suicidas» de Henrique Manuel Bento Fialho

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Gazeta das Caldas
| D.R
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Gazeta das CaldasHenrique Manuel Bento Fialho (n. 1974)é licenciado em Filosofia, trabalha como livreiro em Caldas da Rainha e  estreou-se no ano de 1997. Neste nono livro de poemas faz não apenas um inventário de suicidas mas também uma viagem ao Surrealismo na página 66: «Fernando José Francisco casou, acabou-se a história; António Maria Lisboa deixou-se morrer; Gonçalo Duarte foi para Paris morrer de fome; Manuel d´Assumpção cortou os pulsos e enforcou-se no dia em que o homem chegou à Lua; João Artur Silva fugiu para Londres e nunca mais foi visto; Mário Henrique Leiria e Carlos Eurico da Costa aderiram desesperadamente ao Partido Comunista Português; Virgílio Martinho, assassinado pelo cancro; Ricarte Dácio de Sousa, matou a mulher, matou o filho, matou o gato e matou-se; João Vasconcelos Pascoaes assassinado pelo cancro; Ernesto Sampaio morreu de amor; Pedro Oom morreu de emoção…» Dos 51 suicidas que dão título aos poemas 6 são portugueses: Antero de Quental, Camilo Castelo Branco, Eduardo Guerra Carneiro, Florbela Espanca, Manuel Laranjeira e Mário de Sá-Carneiro.

Num dos poemas em prosa surge esta curiosa definição: «A poesia é um lugar perigoso, é um carrocel sem rede, a filha tem febre e tu não te vacinaste, nas escolas perdura o medo, o mundo é um lugar perigoso.» Não interessa, portanto, discutir se o poema em prosa vem de Rimbaud ou de Baudelaire ou mesmo de Aloysius Bertrand ou até de Novalis. Ao inscrever o nome dos suicidas numa espécie de inventário sentimental, o poeta adverte: «Ninguém sabe da vida de ninguém, evidentemente.» Ou dito de outra maneira: «Isto não é o paraíso (…) o mais provável é não haver nenhum paraíso para lá desse caudal onde pensas mergulhar, o mais provável é ficar-te o corpo pendurado pelo pescoço a servir de ponteiro em mais uma rasteira do tempo, o mais provável é nem sequer virem a dar pelo teu desaparecimento»
Entre o pó (mais que certo) e a posteridade (relativa) o poema pode ser esse teimoso intervalo de memória contra o esquecimento: «Dizem que era um bom rapaz, amigo dos animais, sensível, ia ao teatro, não era como os outros, amava a filha que Deus lhe roubou, era um bom rapaz, morreu-se». Henrique Manuel Bento Fialho escreve para juntar de novo tudo o que a morte separou e confirma uma ideia de Camilo Castelo Branco sobre a Poesia: «Ela não tem presente; ou é sonho ou é saudade».
(Edição: Deriva Editores)

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