O poeta Sebastião da Gama (1924-1952) teve uma vida breve (apenas 27 anos) e publicou os livros «Serra-Mãe» (1945), «Cabo da Boa Esperança» (1947) e «Campo Aberto» (1951). Não deixa de ser curioso o facto de uma sua conferência («Lugar de Bocage na nossa Poesia de Amor») que foi publicada pela Revista da Faculdade de Letras de Lisboa tenha a ver com Bocage, o poeta que muitas vezes se vê associado às anedotas tal como Bulhão Pato às amêijoas. Já David Mourão-Ferreira nas páginas da «Távola Redonda» tinha advertido para os perigos do «pitoresco» e das «peripécias» tomados a sério que prejudicam um olhar lúcido sobre «uma das mais extraordinárias aventuras da Poesia portuguesa contemporânea». Neste estudo, Ruy Ventura enuncia os cinco obstáculos que prejudicam a abordagem à poesia de Sebastião da Gama, sobrevalorizando a biografia em detrimento da obra: a simpatia, a espontaneidade, a leitura desatenta da linguagem, o confinamento tópico e a recepção adolescente.
O ponto de partida é um excerto de «Cabo da Boa Esperança» de 1947: «Que me importa, meus versos, que vos tomem / (e eu vos tome também) por chaves falsas / se vós me abris as portas verdadeiras?» O ponto de chegada é um poema-testamento escrito em 1-9-1951 na Arrábida: «Pelo Sonho é que vamos / comovidos e mudos. / Chegamos? Não chegamos? / Haja ou não frutos / Pelo Sonho é que vamos. /Basta a fé no que temos /Basta a esperança naquilo / que talvez não teremos. /Basta que a alma demos / com a mesma alegria / ao que desconhecemos / e ao que é do dia-a-dia. / Chegamos? Não chegamos? /- Partimos. Vamos. Somos.»
Pelo meio fica a leitura dos três livros publicados em vida pelo poeta Sebastião da Gama. Como convite à leitura, citamos: «a) Campo aberto corresponde à Natureza, à criação, mas também ao mundo habitado e social, onde todos existimos e tentamos viver, abrindo-nos e esvaziando-nos das contingências, afastando-nos dos instintos e da corrupção. B) Cabo da Boa Esperança exprime a finisterra, a cessação de um mundo natural, por obra da palavra e da poesia, ou seja, pela acção criativa colaborante com Deus na produção de uma «pintura» que traga para junto de nós o Supremo Pintor, por isso o Cabo não é apenas fim da terra mas início da esperança. c) por fim a montanha Serra-Mãe, parece expressar a matriz, o tronco, a matéria gerada e geradora (mater) mas sobretudo o acidente natural que exige um movimento de assunção, incitando os seres humanos a subir a escada do Paraíso e a aproximar-se de Deus.» A leitura deste excelente livro de Ruy Ventura prova que a poesia de Sebastião da Gama, passados 65 anos da sua morte, veio para ficar.
(Editora: Licorne / Associação Cultural Sebastião da Gama, Foto na capa: Nuno Matos Duarte, Prefácio: João Reis Ribeiro, Apoios: Câmara Municipal de Setúbal e União das Freguesias de Azeitão – São Lourenço e São Simão)