A “Parábola” de Leonor

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notícias das CaldasO Papa Francisco, na sua Bula sobre a Misericórdia de Deus, traça uma rota para a vida do cristão. Desafia a Igreja a uma alavancagem, a uma renovação interior, a descobrir a sua vocação e missão no mundo. Desafia-nos a fazer da Misericórdia “chave” de leitura para a vida.
Somos da cidade de Leonor, a “Rainha das Misericórdias”.
Somos da “cidade nascida das águas” fecundadas pela Misericórdia.
Olhando a história verificamos que as Caldas da Rainha nasce dum simples gesto de Misericórdia de D. Leonor, que ao passar por este local viu um grupo de “pobres andrajosos que se banhavam em nascentes de água quente, em condições tão desumanas que a sensibilizaram” . “Reza a lenda” que a Rainha perguntou porque o faziam, tendo-lhe sido respondido que eram doentes e que as águas possuíam poderes curativos. Quis comprová-lo e, como também tinha uma doença, aqui se banhou alcançando a cura. Por essa razão, no ano seguinte mandou erguer um hospital para todos, ricos e pobres, que nele se quisessem tratar e que nos chega até aos dias de hoje como o mais antigo do mundo.

É à sombra deste gesto de Misericórdia que nasce a nossa cidade. A Misericórdia, como “iniciativa privada”, em ordem à justiça social, uma justiça que não é a do mundo porque se expande a partir de Deus como resposta de amor, gerando desenvolvimento social, económico, cultural e cultual.
Diz o Papa que: “A arquitrave que suporta a vida da Igreja é a misericórdia. No anúncio e testemunho que oferece ao mundo, nada pode ser desprovido de misericórdia. A credibilidade da Igreja passa pela estrada do amor misericordioso e compassivo.”, e Leonor desejou oferecer a partir do amor, desejou percorrer esta estrada. O Amor é a via mestra da edificação do bem comum. Devemos então olhar para o gesto carismático da nossa fundadora, como alguém que desejou a partir do impulso da sua relação com Deus. Leonor deixou que a ternura de Deus tocasse o seu coração, permitindo, assim, que a Misericórdia ganhasse vida.
O Amor não procura nenhuma recompensa, apenas respostas de amor na exteriorização em obras. Leonor cumpre a sua missão apostólica de ser canal do Amor de Deus, espelhado no cumprimento das Bem-Aventuranças. Todos somos chamados a realizar na vida esta altíssima vocação, cada um realizará este fim vocacional do seu baptismo a partir do seu carisma, tal como Leonor que foi carismática e determinada.
Em Leonor o Amor de Deus tomou forma, edificando uma cidade de características termais, curativas, que a tantos, ao longo de séculos, beneficiou.
A par da construção do Hospital Termal a Rainha mandou edificar também a Igreja de Nossa Senhora do Pópulo. A origem da nossa cidade está assente numa “unidade dinâmica” e fundamental, como diz Frei Jorge de S Paulo, o tratamento do corpo e da alma: “Para os pobres doentes receberem graça em suas almas e saúde em seus corpos”. A boa saúde do corpo depende da beleza do espírito.
Do “Compromisso da Rainha” com o Hospital retira-se a norma de que “o doente, homem ou mulher, depois de admitido, confessava, comungava, e tomava um banho, após o qual recebia uma camisa lavada, um saio, carapuça, pantufos e um manto, sendo depois conduzido à sua cama. À saída dava-se-lhe uma pequena esmola para sustento da viagem de regresso a casa”.
O estilo de viver do cristão tem de ser credível com o anúncio que proclama. Ser cristão é um compromisso que passa pelo agir, pelo cuidar, pelo servir o outro como chave de vida que abre a porta para um horizonte de transformação do mundo.
Leonor escolheu ser agente de transformação deste “nosso” pequeno mundo e afirmou sempre estar ao “serviço de Deus” e que para Seu louvor desejava ter uma cidade “boa, abastada e nobre”.
Na “Parábola de Leonor” há um espaço de diálogo que nos interpela, quem recebe dos seus cuidados, não volta o mesmo, encontrou aqui um pedaço de Céu na beleza enternecedora das “caldas” que curam o corpo e mergulham no Espírito.
As Caldas da Rainha.
1 -Cf. RODRIGUES, Luís Nuno, Terra de Águas, Câmara Municipal de Caldas da Rainha
2 -Cf. PAPA FRANCISCO, Misericordiae Vultus, Libreria Editrice Vaticana
Margarida Varela