O Hospital Termal Rainha D. Leonor tem a sua razão de ser na função e objectivo conforme estatuídos pela sua fundadora, a Rainha D. Leonor de Lencastre, tal como consta do Regimento ou Compromisso do Real Hospital das Caldas da Rainha, feito em 18 de Março de 1512, que poderá ser considerado a Magna Carta do termalismo em Portugal.
De todos os enquadramentos jurídicos que se sucederam nos cinco séculos de existência do Hospital das Termas das Caldas da Rainha sempre constaram os princípios vinculativos da indivisibilidade do património e o do tratamento gratuito dos pobres, ambos com carácter de perpetuidade, igualmente no estrito respeito pela vontade da fundadora e dos sucessivos legatários, de acordo com o primado da Ética e da Moral sobre os quais a Lei assenta.
Ora quando o autor do estudo do ISCTE diz que desconhece, e passo a citar – a que” lei” se referem e qual é o regime legal do legado da Rainha D. Leonor -, das duas uma: ou é sua intenção fazer tábua rasa de princípios éticos, morais e consuetudinários, sustentados por sucessivos Regimentos, Privilégios & outros normativos legais; ou efectivamente os desconhece.
Se for este último o caso, então louvo a honestidade de quem confessa a sua ignorância, mas fico seriamente preocupado em relação aos pressupostos sobre os quais o estudo assenta.
Posto isto, que me parece essencial para justa avaliação da seriedade do trabalho, bem como para melhor ajuizar da postura da(s) entidade(s) que o encomendou(encomendaram), ao validá-lo, permito-me comentar os pontos mais relevantes aí expressos.
Sobre a peregrina ideia de um Empreendimento Multiusos para os Pavilhões do Parque, não creio que a manta de retalhos a que tal levaria, repetição cosmética do uso que lhe foi dado no passado recente, seria um crime de lesa-património, pelo desperdício da oportunidade única de aí criar uma unidade hoteleira inteiramente dedicada ao termalismo, com a mais valia de estar integrada no Parque D. Carlos I, e todas as vantagens socioeconomicas daí decorrentes. Para além de que sendo o projecto de reabilitação dos Pavilhões o sonho de qualquer arquitecto, daí resultará uma intervenção exemplar. Tecnicamente, soluções e precedentes não faltam. Arquitectos de valor também não. Quanto à vontade dos responsáveis…
Sobre a “Carta Aberta à Comunidade Caldense”, na qual os anteriores responsáveis máximos pela gestão do Hospital Termal fazem uma avaliação quanto ao potencial de geração de receitas, não me parece que essa avaliação seja facilmente contestável, a menos que se tenham conluiado com fins inconfessáveis. Quanto baste para uma teoria da conspiração…
Sobre a construção proposta para a Parada, afigura-se-me assente no modelo de desenvolvimento urbanístico prevalecente nos últimos 30 anos, o que diz tudo quanto ao seu valor. Sobre este ponto, e não só, muito gostaria de ouvir a opinião do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles…
Sobre o estudo, dele só conheço o que a Gazeta publicou, pelo que presumo que do Diagnóstico sobre o qual assenta constará o inventário exaustivo do património do Hospital Termal, fruto de sucessivos legados e doações, bem como o montante das receitas por ele geradas, ou o potencial que encerram.
Tal como presumo que o autor terá tido em consideração os projectos turísticos existentes para a Região do Oeste, nomeadamente o do Bom Sucesso, e que tenha identificado o impacto que este terá no Concelho de Caldas da Rainha, assim como os fluxos e interacções daí resultantes para as Termas.
Mais presumo que o autor tenha um profundo conhecimento sobre a realidade das termas de Bath, os seus pontos fortes e pontos fracos.
Presumo ainda que o autor terá equacionado o leque de produtos, cosméticos e não só, que podem ser obtidos a partir das águas termais das Caldas da Rainha.
Concluindo, a visão que o estudo do ISCTE encerra, e que os seus comandatários perfilham, ao aceitarem-na, é uma visão que parte do passado próximo e virada para o futuro imediato, menosprezando muito do histórico da Instituição e não trazendo nada de novo.
De um trabalho deste tipo esperam-se soluções que vão além do pragmatismo imediatista, que proponham uma Visão arrojada do Futuro. Porque sem Visão, o Futuro será sempre escrito com letras pequenas.
Este é um trabalho triste, pobre, que encerra conclusões cultural e intelectualmente desatentas.
Eventualmente, o dinheiro pago não daria para mais. Espero então que esta seja uma Memória Descritiva do que poderá vir a ser um Estudo futuro, assente num conhecimento profundo de todas as vertentes em que assentam as Termas de Caldas da Rainha.
Mas que a culpa não morra solteira: o estudo não abona, acima de tudo, a favor de quem o encomendou e subscreveu, ao aceitá-lo.
Se reflecte pressupostos ideológicos (no sentido lato) da Administração do CHON e da ARS, como temo, então evidencia uma visão tacanha e economicista, majestática e arrogante em relação aos habitantes da de Caldas da Rainha. E, se for este o caso, até poderíamos pensar que a encomenda levasse já orientações ou sugestões quanto ao resultado final. Se foi ou não, não sei. Aqui o ignorante, ou seguidor de uma eventual teoria da conspiração, serei eu…
Ma si non é vero, é ben trovatto…
Fernando Sousa