Prescrever Natureza

0
566

“O céu está sob os nossos pés, bem como sobre as nossas cabeças.”
Henry David Thoreau.

Há poucos meses, li um artigo no qual se noticiava o início de um programa de prescrição de Natureza pelos médicos de família escoceses. Perante determinadas doenças crónicas e debilitantes, os médicos das ilhas Shetland, na Escócia, poderiam prescrever, por exemplo, caminhadas por trilhos, observação de aves, construções na areia ou manufatura de birutas para medir o vento, entre muitas outras sugestões que enchem um panfleto.
É grande a evidência dos benefícios da natureza na saúde mental e física. Passar tempo na natureza não apenas reduz a tensão arterial e a ansiedade, como pode reduzir os sintomas depressivos ou os distúrbios de deficit de atenção e hiperatividade, e, além do mais, pode melhorar o controlo da dor e até contribuir para o equilíbrio do sistema imunológico.
Não pondo em causa a beleza, mesmo que talvez algo austera e fria, daquelas ilhas escocesas do Mar do Norte, há que convir que não nos faltam no concelho e na região, espaços para conviver alegremente com a Natureza. Basta fazer o percurso à volta da Lagoa de Óbidos a partir do Covão dos Musaranhos, ou apreciar as dunas de Salir do Porto, ou visitar o Paul da Tornada, para usufruir vivamente da natureza e ficarmos deleitados com a beleza dos quadros paisagísticos. Em termos de pedestrianismo, verifiquei, com interesse, que o Trilho das Berlengas já está incluído nos melhores percursos pedestres em Portugal, na avaliação do blogue “Viajar entre viagens”.
Curiosamente, já depois de ter começado a escrever esta crónica, fiquei a saber que no dia 28 de julho se comemora o Dia Mundial da Conservação da Natureza e, simbólica coincidência, soube-o depois de ver um quadro alusivo no corredor das consultas externas do Hospital.
A Liga para a Proteção da Natureza não se tem esquecido da nossa região. Tem havido louváveis iniciativas que promovem a ligação à natureza: a observação de aves, a identificação de batráquios, a construção de cabanas, a limpeza das praias.
O Paul da Tornada, como reserva natural, é um local que, neste contexto de convivência e proteção da Natureza, merece um especial destaque. A Associação de Defesa do Paul (PATO) não tem descurado ações de sensibilização e promoção de boas práticas ambientais, dirigindo atenções para as crianças (Aventuras no Paul de Tornada, de 24 a 26 de julho) mas também para outros públicos. Entre outras, uma oficina de cestaria em bunho (3 de agosto) ou um Concurso de curtas-metragens sobre o tema: “Planeta Sustentável – Economia Circular”, a decorrer até 15 de setembro.
No que diz respeito ao pedestrianismo, era possível fazer mais, desbravando trilhos rurais (a exemplo do pequeno trilho aberto pela Junta de Freguesia entre o Parque e a Quinta da Boneca). Não faltarão certamente caminhos e trilhos que poderiam ser mapeados, identificados com sinalética adequada e divulgados.
Recentemente, numa estadia de férias na Galiza, em Mondariz, que, como saberão, é sede de uma importante e ativa estância termal, pude constatar a existência de trilhos rurais numerados, bem identificados, o que me permitiu a prática do “senderismo” em família, numa agradável comunhão com a Natureza.
Se os médicos escoceses podem receitar natureza, por cá já se pode voltar a prescrever tratamentos termais comparticipados. E quanto à Natureza, na verdade, não há necessidade de prescrições formais. Pode-se recorrer, aqui sim, à auto-medicação e mergulhar num dos muitos e belos recantos rurais ou espaços marginais da lagoa ou do mar que nos abrem a vastidão do olhar.

António Curado
curado.a@gmail.com