Os meus filhos já não têm idade para fazer esta simples pergunta, mas fazem outras bem mais difíceis de responder, embora, no fundo, queiram dizer o mesmo.
Eu tenho uma vantagem sobre as gerações mais novas que nasceram depois do 25 de Abril de 1974, tenho histórias para contar. E não há nada melhor do que isso para ilustrar quão importante foi essa data. No entanto, cada vez mais irá acontecer um pai ter que responder àquela pergunta sem poder contar com emoção o que se passou naquela data e a emoção faz muita falta nesta narrativa.
As cerimónias oficiais comemorativas do 25 de Abril tornaram-se em rituais sem emoção. A parte mais política é normalmente fastidiosa quando não falaciosa. A parte mais festiva (cultural e desportiva) é a de maior proveito e, diga-se em abono da verdade, tem sido assegurada essencialmente pelas Juntas de Freguesia e coletividades.
Apesar de saberem bem o que foi o 25 de Abril de 1974, imagino que os meus filhos têm com esta data mais ou menos a mesma relação que eu tinha com o 5 de Outubro de 1910. Para eles, muito provavelmente, o regime anterior ao 25 de Abril é uma relíquia da história tal como para mim era a monarquia. Não vale a pena ficar indignado com esse facto, o que importa mesmo é mostrar às novas gerações que algumas coisas fundamentais que hoje são banais não o eram há 41 anos atrás.
Primeiro a paz. Sim, havia então uma “guerra colonial” a que o 25 de Abril de 74 pôs termo. Muitos portugueses combateram nessa guerra e morreram, muitos mais ficaram feridos e quase todos ficaram traumatizados. Por isso, mesmo que não tivesse acontecido mais nada, só pelo facto de ter acabado com essa guerra o 25 de Abril teria sempre valido a pena.
As liberdades individuais com a liberdade de expressão à cabeça. A liberdade de exprimir o que penso e de conhecer o que os outros pensam, o direito a ter e expressar a minha própria opinião sem ser perseguido ou mesmo preso. Antes do 25 de Abril não existia.
A liberdade política. A liberdade de formar partidos, movimentos e associações cívicas e de, por seu intermédio, intervir na organização da sociedade e do seu governo. Esta liberdade também não existia.
São estes, no meu entender, os três primordiais bens que o 25 de Abril nos deixou como herança. E a descolonização, a democratização do ensino, as eleições livres, as autarquias, etc. etc.? Desculpem-me mas nada disto teria sido possível sem o fim da guerra, a liberdade de expressão e a liberdade de organização política. Esta trilogia está na base do regime que emergiu do 25 de Abril de 74.
Mas falar do 25 de Abril não é só falar do passado. Hoje vivemos em democracia, mas esta, apesar de ser relativamente jovem, apresenta já sinais de “esclerose” e precisa de uma profunda reforma do sistema político.
Há sinais de preocupação dentro dos partidos, mas não é com operações cosméticas do tipo “diretas” que se irão transformar para melhor. Em vez de olharem para fora e com desconfiança para os movimentos de cidadãos que vão surgindo um pouco por todo o lado, deviam era olhar para dentro e ver como se transformaram em aparelhos ao serviço, não de ideias, mas de interesses.
O sistema eleitoral é um ponto crítico. Para começar, os votos em branco (para não falar da abstenção) deviam traduzir-se em cadeiras vazias no parlamento! Cadeiras que ficariam como um libelo acusatório aos partidos e que talvez os fizessem alterar o modo de fazer política. Outra medida seria a responsabilização individual de cada deputado com a obrigação de prestar contas, não perante o partido, mas perante os eleitores do círculo que o elegeu. Finalmente, se já é possível para as autarquias, por que razão grupos de cidadãos independentes não se podem candidatar à Assembleia da República?
Mas o problema não reside só na organização do sistema político. A forma tradicional de fazer política também faz parte do problema quando deveria ser parte da solução. Quem tem a maioria governa porque sim e quem está na oposição opõe-se porque não. E se alguém se atreve a desafiar este status quo, é olhado com desconfiança, ou mesmo hostilidade, por ambos. O modo tradicional de fazer política é cada vez menos mobilizador para os cidadãos e menos útil para o país.
Pai, mas afinal o que é o 25 de Abril?
É ter podido dizer todas estas coisas e não correr o risco de ser preso por isso!
Edgar Ximenes