Espaço público

0
704
- publicidade -

Em Caldas da Rainha, o espaço público é cada vez mais um somatório de espaços privados, onde cada um faz o que quer, sem respeito pela liberdade e direitos dos seus concidadãos. Estaciona-se onde apetece, se necessário em segunda fila ou em cima do passeio. Passeia-se o cão sem trela e no parque infantil, não se apanhando os dejectos do animal. Coloca-se o lixo ao ar livre se o contentor estiver cheio, não se importando com a saúde pública e a imagem da cidade. Bebe-se cerveja na rua e largam-se as garrafas onde calha, partindo-as e espalhando os cacos pelo passeio. Tudo se estraga, tudo se desrespeita, como se não houvesse limite para os direitos e liberdades individuais. Em suma, uma cidade sem rei nem roque onde os problemas urbanísticos e ambientais se agravaram nas últimas décadas, revelando fraca capacidade para os prevenir e enfrentar.
Há quem prevarique por falta de educação ou consciência, há quem se aproveite da falta de fiscalização e punição, mas há, também, quem se inspire no desleixo e atabalhoamento da autarquia no que concerne à conservação e valorização do espaço público: permitem-se obras mal projectadas e executadas, ruas e passeios sujos e esburacados, equipamentos públicos degradados e perigosos, terrenos cheios de mato e entulho, arte escultórica avulsa e abandonada, ruído em horas de descanso, etc, etc. Porque é que a Câmara fecha os olhos aos “stands” automóveis ilegais em terrenos baldios? Porque permite a colocação de placards pirosos nas rotundas? Já chega de desculpas mútuas e passagem de responsabilidades, procurando-se convenientes bodes expiatórios. Todos têm de fazer a sua parte: a autarquia tem de mudar de atitude e organizar-se devidamente para dar resposta às necessidades do concelho, dotando-o dos recursos e processos apropriados; e os munícipes têm de ter mais respeito pelo bem comum, cumprindo as normas municipais e comportando-se correctamente para com os seus concidadãos.
O espaço público é o espaço de fruição comum que a todos pertence. É nele que circulamos, socializamos e partilhamos opiniões e sentimentos com quem habita, trabalha ou visita o mesmo espaço colectivo. É também no espaço público que “se forma a imagem da cidade, já que é por ela que os habitantes transitam e têm a oportunidade de observá-la e entendê-la” (K. Lynch). Quando degradado, o espaço público deve ser rapidamente intervencionado, para evitar a instalação de um ambiente de permissividade que conduz inevitavelmente a um nível superior de delinquência, insegurança e fraca qualidade de vida. Rudolph Giuliani, Mayor de Nova Iorque entre 1994 e 2002, demonstrou inequivocamente o sucesso desta estratégia, instituindo um sistema de informação que regularmente media a evolução de um conjunto de indicadores de gestão urbana, permitindo às autoridades definir prioridades e agir com grande eficácia.
Há alguns meses, sentindo que o espaço público era (e é) motivo de constante controvérsia e altercação – e não de harmonia e bem-estar da população –, alertei a autarquia para o problema da (in)sustentabilidade ambiental da cidade e do concelho. Sugeri, então, quatro acções fundamentais: a reestruturação e adequação dos serviços camarários e municipais; o desenvolvimento de campanhas de sensibilização cívica e ambiental; o reforço da fiscalização e responsabilização das infracções; e a realização de um estudo periódico de avaliação da opinião dos munícipes. Apesar da aparente concordância dos dirigentes municipais, nenhuma destas sugestões foi posta em prática, pois a maioria PSD só faz o que lhe apetece e despreza as opiniões de quem não é da sua cor política. E, no entanto, elas visavam apenas assegurar um mínimo de dignidade a Caldas da Rainha pois, em matéria de qualidade do espaço público, numa cidade que se quer de cultura, arte e design, é óbvio que a ambição e a competência deviam ser outras.

José Rafael Nascimento
jn.correio@gmail.com

- publicidade -