As imagens são da manhã de 30-7-2016 e deixaram nos sapatos algumas gotas de orvalho. As chuvas recentes levam a que as balizas, outrora o centro geométrico de paixões e glórias, vitórias e derrotas, felicidade e amargura, estejam rodeadas de matagal.
Este campo fica à beira da estrada entre São Domingos e o Carvalhal (Abrantes) e os rapazes das Fontes também ali jogavam aos Domingos quando os poucos automóveis paravam para que os condutores vissem aquele inesperado jogo.
Não tenho essa memória; não estava lá mas misturo as minhas recordações do campo do Rio da Pedra e de Juventino Freire: as balizas sem redes, os fiscais de linha com lenços brancos, um boné onde o Abílio recolhia moedas para pagar à lavadeira.
A costureira cosia à máquina os números soltos nas camisolas do Catarinense que equipava igual ao Caldas.
Também junto ao Rio da Pedra os automóveis abrandavam e os seus condutores adiavam a pressa de chegar. Às vezes o senhor Inácio vinha do Valado de Frades e via o jogo com o meu avô José Almeida, antigo guarda-redes de uma das primeiras equipas de Santa Catarina. Porque as crónicas integram a paciência e o saber do carpinteiro, precisam das plainas, garlopas, guilhermes, goivos e enxós, sem esquecer o fio-de-prumo. Para que as palavras não resvalem para a emoção fácil, lamechas, simplória.
O nosso tempo é veloz e não se compadece com a lentidão dos Domingos. Hoje todos bebem leite de pacote e olham para as mesmas telenovelas da TV. A Internet e os telemóveis não aceitam o tempo das memórias. Por isso as balizas dormem o sono do silêncio e cai sobre elas o peso da solidão. Os rapazes das Fontes nunca mais voltam ao campo entre São Domingos e o Carvalhal (Abrantes). O orvalho desta manhã de Julho é a lágrima da Terra. O tempo não volta. Só a memória fica.
José do Carmo Francisco