Estrada de Macadame – CCXII – As palavras como «rebotalho» nunca estão em desuso

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A propósito de um palermazão que apareceu com comentários parvos sobre um «post» meu acerca da região da Costa Nova num Blog, utilizei a palavra «rebotalho» quando me dirigia a uma leitora habitual. No tempo da «estrada de macadame» essa palavra usava-se com frequência. Vale a pena ver o contexto de «rebotalho» no grande dicionário da Sociedade da Língua Portuguesa. Começa por referir o uso mais comum dessa palavra quando usada num estabelecimento comercial: «rebotalho – restos inúteis, cigalho, coisa sem valor, refugo». Segue-se um segundo sentido: «rebotalho – pessoa sem merecimento pessoal, sem categoria social». Por fim o ponto alto: «rebotalho humano – conjunto de pessoas sem valor mental ou moral, pobres, miseráveis, desprezíveis sob vários aspectos». Existe também um adjectivo: «rebotalhado – atrasado, inferior, de menor valor».


O palermazão do «post» sobre a Costa Nova faz parte do rebotalho humano de que fala o Dicionário coordenado por José Pedro Machado. Não é o facto de ser utilizador da Internet que o faz menos pobre, menos desprezível, menos miserável. A chamada democraticidade do meio não lhe dá o direito de vir para ali espojar-se da sua burrice. A bosta que ele tentou atirar para nós não saiu da sua massa encefálica nem vai sair nos tempos mais próximos.
Basta ver filmes dos anos 40 para perceber como a palavra «pastora» no sentido de «pasta» ou «dinheiro» surge na fala dos actores. Hoje ninguém se lembra mas há 60 andava pelo Parque Mayer e era muito popular porque os dos autores das revistas do Parque eram os argumentistas dos filmes. Mas «rebotalho» não vai passar de moda porque há sempre mais um palermazão que aparece a coberto da democracia da Internet.
As palavras englobam o pó do tempo e o sangue pisado daqueles que as gritam ou sussurram. Conforme os casos. Todos os dias as palavras nascem e morrem com a velocidade do tempo que as envolve. Hoje ninguém diz (por exemplo) a palavra «esterqueira» para referir uma «coisa suja» mas há 50 anos estava muito em voga.
O meu avô José Almeida Penas utilizava muitas vezes a palavra «congorsa» para referir alguém que só estava a complicar a vida dos outros. Curiosamente o significado de congorsa é «arbusto». Outra palavra que se usava para classificar uma birra de criança era «dengue» – a mesma palavra que serve para referir uma febre epidémica. A minha avó Flauta utilizava muito a palavra «desenxovalhada» para referir uma mulher limpa e asseada que passava no Largo do Pelourinho. Falando de sardinhas a quem foi cortada a cabeça e estão prontas para serem fritas ou guisadas dizia-se «escorchada» mas a palavra correcta é «escochada» que vem do verbo «escochar». Parecido como o sentido de «rebotalho» usava o meu avô a palavra «choldra» para referir canalha ou ralé. Outra palavra que nunca mais ouvi (e era desse tempo) foi «entroviscado» que quer dizer «complicação ou sarilho» mas também «céu que ameaça chuva». A propósito dum vagabundo de passagem por Santa Catarina o meu avô explicava muitas vezes – «desertor» é quem fugiu da tropa e «refractário» é quem nunca lá foi. Nem toda a gente sabia a diferença. Para terminar com um sorriso lembro a palavra «choina» que significando «dormir ou madraçar» era, também, a alcunha de um vizinho nosso. Ele é autor do princípio de carta mais engraçado que conheço, ditada em voz alta ao meu tio Álvaro do Carmo Almeida, porque ele, o Choina, não sabia escrever: «Menina Maria da Nazaré: Isto que eu aqui lhe mando dizer não é para gozar mas sim para casar.»

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